
A coluna de Bela Megale, d’O Globo, publicada no início desta semana, revelou o que muitos brasileiros já sabem — mas poucos ousam admitir publicamente: o Supremo Tribunal Federal, que deveria ser o guardião da Constituição, transformou-se numa espécie de oráculo sensível, onde ministros não apenas julgam, mas sentem, se incomodam e murmuram a portas fechadas sobre discursos alheios. O foco? Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, aquele que por muito tempo foi vendido como o “equilibrado”, o “centro”, o “civilizado” da direita. Agora, para os togados supremos, parece que ele está ficando… radical demais. E tudo isso por quê? Porque ousou defender anistia.
Sim, você leu certo. O homem que apenas pediu justiça proporcional para os presos do 8 de janeiro agora é visto como ameaça em potencial ao bom convívio institucional. A jornalista descreve como ministros do STF ficaram “desgostosos” com a participação de Tarcísio no ato na Avenida Paulista, assim como no evento anterior em Copacabana. Para eles, Bolsonaro e Malafaia seriam previsíveis, “mais do mesmo”, mas Tarcísio era o ponto de tensão, o elemento imprevisível — aquele que poderia furar a bolha do bolsonarismo raivoso e colocar o dedo na ferida com elegância técnica.
E aqui começa o verdadeiro problema.
No Brasil atual, não se pode mais ser técnico, educado e crítico ao mesmo tempo. Ou você grita como um lunático nas redes sociais, sendo facilmente descartado como extremista, ou se cala e espera ordens do “sistema”. Tarcísio ousou ser diferente: falou de forma sóbria, lembrou que existem inocentes presos sem julgamento justo, que penas desarrazoadas não são justiça, e que anistia não é sinal de impunidade, mas de maturidade institucional e pacificação social. Pronto: virou “bolsonarista demais”.
O establishment, ao que tudo indica, não teme a gritaria. Teme a razão.
A criminalização do diálogo
A ironia é gritante. No mundo civilizado, anistias fazem parte do arsenal de reconciliação das democracias. Basta olhar para a Espanha pós-Franco, o Chile pós-Pinochet, a África do Sul após o Apartheid. Todos esses países passaram por regimes autoritários de verdade, com assassinatos, tortura, censura total — e mesmo assim optaram por instrumentos de perdão institucional como forma de reconstrução. No Brasil de 2025, o simples ato de questionar se os “magrinhos” — como disse José Guimarães (PT) — deveriam ser os únicos punidos, é visto como traição ao pacto democrático.
Mas qual pacto?
O pacto imposto por um judiciário politizado, que se dá o direito de opinar sobre discursos de políticos eleitos, de controlar narrativas, de criminalizar manifestações e, agora, de cobrar fidelidade emocional de governadores. Tarcísio é criticado porque, segundo Bela Megale, tem “um pé em cada canoa”. Traduzindo: porque não se ajoelha completamente diante do STF. Isso já é suficiente para se tornar alvo de desconfiança.
O Supremo quer Tarcísio de joelhos
Na análise da jornalista, há uma curiosidade ainda mais perversa: a avaliação de que Tarcísio estaria “aumentando suas críticas ao STF a portas fechadas”. Em qualquer país democrático, esse seria um direito elementar de qualquer político. Aqui, virou motivo de “preocupação institucional”. O que se quer, na verdade, é que todos os líderes conservadores atuem como cordeirinhos, batam palmas para Alexandre de Moraes, chamem Lula de estadista, e repitam mantras sobre golpe e democracia como papagaios enjaulados. Qualquer desvio do script é tratado como insubordinação.
Mas o que realmente incomoda não é Tarcísio em si. É o que ele representa.
Ele é o único nome com potencial nacional fora da polarização direta entre Lula e Bolsonaro. É um administrador eficiente, ex-militar, técnico, preparado, conservador nos valores, mas moderado na forma. E justamente por isso torna-se perigoso para o sistema: ele é palatável demais. Se Tarcísio começa a defender pautas como a anistia com equilíbrio e argumentos, o castelo de cartas das narrativas progressistas pode desmoronar com a força da razão, não do grito.
O silêncio cúmplice de Brasília
Enquanto isso, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), insiste em ignorar o projeto de anistia, embora mais de 59 mil pessoas tenham saído às ruas no domingo exigindo uma resposta. Motta prefere votar projetos propostos pelo Judiciário. Veja a inversão: o Judiciário propõe leis, o Legislativo obedece, e o povo assiste em silêncio. Quando os papéis se invertem dessa forma, não se trata mais de uma democracia plena, mas de uma paródia institucional.
E se Tarcísio ousa dizer que “alguns inocentes estão pagando com a liberdade por erros políticos”, é rotulado como “ambíguo”. Se ele fosse governista, calado, inerte, seria tido como “republicano”. Mas porque mantém relações com Bolsonaro — ainda o maior líder popular da direita — e defende valores conservadores, passa a ser monitorado como ameaça.
Não se trata de defender ou idolatrar Tarcísio. Mas de apontar como qualquer voz que se levante fora do consenso forçado do STF passa a ser tratada como perigosa. E isso é, sim, autoritarismo disfarçado de zelo democrático.
A imprensa como oráculo da corte
O papel da imprensa também precisa ser observado. O texto de Bela Megale não é apenas informativo. Ele funciona como uma mensagem velada, quase uma profecia institucional: “Estamos observando. Sabemos o que você pensa. Sabemos o que você fala a portas fechadas. E vamos expor sua ambiguidade”. Não há escândalo, corrupção, crime — mas há julgamento. E o tribunal da moralidade progressista não precisa de provas, só de sentimentos. Se o ministro se sentiu incomodado, já basta.
A mesma imprensa que se calou diante das prisões em massa de manifestantes no 8 de janeiro, de abusos escancarados como prisões preventivas eternas, censura a parlamentares e intimidação judicial, agora se mostra indignada porque Tarcísio ousou pedir pacificação nacional.
O conservadorismo que incomoda é o que pensa
O Brasil de hoje não teme o extremismo. Ele teme o conservadorismo pensante, articulado, institucional. E Tarcísio, com todas as suas imperfeições, representa exatamente isso. Ele não precisa gritar. Só precisa falar com clareza. E isso, para um sistema construído em torno da intimidação, é intolerável.
O povo já entendeu que não haverá reconciliação nacional sem que os presos do 8 de janeiro tenham seus direitos respeitados, que não há “democracia plena” onde apenas um lado pode se manifestar sem medo. E figuras como Tarcísio — ainda que titubeantes — são importantes para fazer essa ponte. Mas se o STF continuar agindo como polícia do pensamento, tentando ditar até o tom das falas dos governadores, o que teremos não será paz. Será um país em estado permanente de chantagem institucional.
É hora de deixar claro: não queremos mais moderados que só agradam à esquerda, mas sim líderes que tenham coragem de desagradar o sistema quando este pisa na Constituição. E nesse quesito, mesmo com todos os senões, Tarcísio começou a incomodar pelos motivos certos.
E isso, meus caros leitores, é um bom sinal.
Com informações O Globo