
A notícia publicada no Estadão por Guilherme Caetano em 4 de abril de 2025, sobre o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) a respeito da atuação da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, é, no mínimo, um retrato digno dos bastidores de uma república que cada vez mais caminha para o teatro institucional, onde a liturgia do cargo é substituída pelo espetáculo da conveniência.
Vamos aos fatos, mas com lupa, bisturi e sem a maquiagem do politicamente correto. O parecer da AGU, solicitado pela Casa Civil (leia-se governo Lula), serve como uma elegante tentativa de dar verniz legal a um problema de legitimidade política: a atuação livre, leve e solta de Janja como se fosse uma ministra informal, uma embaixadora paralela, e até mesmo a chefe de uma pequena estrutura de poder dentro do Planalto.
O documento da AGU diz que o cônjuge presidencial pode atuar em “ações de interesse público” — que bela expressão subjetiva, não? A mesma expressão que poderia ser aplicada a um padeiro que oferece pão de graça ou a um político que planta bananeira na ONU em nome da sustentabilidade. Mas no caso de Janja, essa atuação não é remunerada, o que parece ser a desculpa perfeita para driblar qualquer exigência de responsabilidade formal.
Entretanto, e aqui começa a parte interessante, a própria AGU reconhece a necessidade de transparência na divulgação de agenda, gastos e viagens, pois sabe que, mesmo sem cargo, a senhora Janja movimenta recursos públicos como se fosse ministra — ou, quem sabe, algo até maior. Afinal, quando uma primeira-dama viaja em classe executiva para Roma, representando um ministério ao qual nunca foi nomeada oficialmente, a fronteira entre representação simbólica e abuso de poder público se dissolve como açúcar no café quente.
A viagem citada por Guilherme Caetano, custeada com R$ 34,1 mil em passagens, e outras como a da comitiva a Paris, que drenou R$ 203,6 mil dos cofres públicos, escancaram o que muitos de nós já suspeitávamos: existe uma estrutura paralela dentro do governo Lula, operando sob o manto do “interesse público”, sem amarras legais e com cheque quase em branco.
E não estamos falando aqui apenas de dinheiro, mas de um símbolo mais profundo e perigoso: a institucionalização da informalidade com aparência de moralidade.
A AGU, nesse parecer, age como quem tenta colocar coleira em um animal de estimação que já roeu a mobília inteira. Ao reconhecer que a atuação do cônjuge deve ser voluntária, não remunerada, mas com acesso à estrutura pública, assessores, segurança e passagens aéreas de classe executiva, transforma o conceito de “voluntariado” numa nova forma de poder sem voto.
Aliás, o voluntariado de Janja custa caro. Caríssimo.
A presença da primeira-dama em eventos como a CSW da ONU, a Cúpula do G20, e até nas Olimpíadas de Paris, não é apenas uma curiosidade diplomática. É uma tentativa deliberada de criar uma figura institucional paralela, à margem da Constituição, mas orbitando diretamente o coração do poder: a imagem simbólica do presidente.
Não é de hoje que o petismo se esforça para reescrever as regras da democracia por meio de narrativas. E o caso de Janja é mais um capítulo dessa novela. Se antes tínhamos primeiras-damas discretas, focadas em ações sociais e caridade silenciosa, agora temos uma “dama ativa”, que carrega ares de ministra, viaja como chefe de Estado, tem equipe com pelo menos 12 membros, e ainda se coloca como vítima da “injustiça” por ser cobrada por seus atos.
E a ministra Gleisi Hoffmann vem a público lamentar que Janja não tenha um cargo honorífico? Com todo respeito, ministra, “honorífico” mesmo é o papel que o cidadão tem hoje nesse governo — honra em pagar impostos, e sofrimento em entender para onde eles vão.
A tentativa de transformar Janja em um ativo institucional tem, evidentemente, um pano de fundo: popularidade. Nos bastidores, como relatou o Estadão, a desistência de Janja de discursar na ONU na 69ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) se deu por causa da queda de sua imagem pública e da de Lula. Ou seja, quando o script do “empoderamento simbólico” falha, recua-se estrategicamente. Mas a máquina já foi ligada, e ninguém a desliga tão fácil.
E aqui está o ponto crucial: o governo Lula usa Janja como uma carta coringa. Quando a oposição critica, diz-se que ela é só uma esposa voluntária. Quando convém, transforma-se em embaixadora, ministra ou voz do Brasil no exterior.
É essa flexibilidade institucional — ou melhor, essa elasticidade moral, que preocupa qualquer conservador sério. Pois não se trata apenas de Janja. Trata-se de um modus operandi onde a liturgia do cargo é desprezada, e o populismo simbólico reina absoluto.
Ao longo dos anos, os conservadores têm sido acusados de exagero, paranoia e até machismo por criticar esse tipo de comportamento. Mas a realidade, como sempre, vem nos dar razão. Quando se institucionaliza o informal, quando se atribui função pública a quem não passou pelo crivo democrático do voto, abre-se espaço para abuso, privilégio e desvio moral.
Ora, se Janja tem uma equipe paga pelo erário, se viaja com dinheiro do povo, se se encontra com líderes internacionais, ela deve ser cobrada com o mesmo rigor que um ministro de Estado. A diferença é que ela não foi nomeada, não passou por sabatina, e não responde formalmente a ninguém além do marido.
Imagine um cenário reverso. Imagine se fosse Michelle Bolsonaro a viajar pelo mundo com equipe de 12 pessoas, participando de cúpulas, discursando em eventos e representando o governo sem cargo oficial. Seria o escândalo do século nos jornais de sempre. Mas com Janja, a regra é relativizada.
O duplo padrão moral da esquerda é evidente e vergonhoso. O mesmo grupo político que pregava austeridade e condenava viagens de ministros com orçamento elevado, hoje romantiza passagens de executiva para a primeira-dama com a desculpa de “representatividade simbólica”. É quase como se o Brasil fosse um feudo medieval e a esposa do rei tivesse suas próprias missões diplomáticas.
É também importante ressaltar o papel da imprensa nesse processo. A matéria de Guilherme Caetano, ao expor os gastos e o parecer da AGU, cumpre uma função essencial, ainda que tímida: a de trazer à tona a institucionalização do improviso petista. Mas cabe a nós, enquanto jornalistas independentes e conservadores, ir além do fato bruto e escavar os significados mais profundos dessa operação política.
O governo Lula, através da AGU, tenta legitimar o ilegítimo. Tenta formalizar a informalidade. Cria-se um parecer jurídico para respaldar uma atuação que deveria, no mínimo, passar pelo crivo do Legislativo, e não por uma canetada interpretativa da própria estrutura que serve ao Executivo.
E para finalizar, essa história não é sobre Janja. É sobre nós.
Sobre a forma como o Brasil está sendo conduzido. Sobre como a moralidade pública está sendo moldada não mais pela Constituição, mas pela conveniência narrativa. Sobre como o poder se dispersa para longe das instituições e se aglutina em torno de símbolos, não de funções.
Janja é apenas a ponta de um iceberg onde a informalidade, a bajulação palaciana e o uso simbólico da figura feminina para blindar críticas formam a base submersa de uma nova forma de governar: o governo da aparência, da emoção e da vitimização institucionalizada.
Que o povo brasileiro não perca de vista o essencial: o voluntariado de luxo custa caro, e a simbologia tem limite quando financiada pelo suor do contribuinte.
Porque no fim das contas, o Brasil não precisa de uma primeira-dama empoderada com verba pública, mas de um governo que respeite o básico: a transparência, a legalidade e a humildade diante da função pública.
Com informações Estadão