
Não foi surpresa. Paulo Cappelli, jornalista do portal Metrópoles, publicou nesta quinta-feira (10) uma coluna reveladora — ou melhor dizendo, confirmadora — sobre o que já suspeitávamos há muito tempo: o Supremo Tribunal Federal não está apenas julgando, está governando. Segundo a reportagem, ainda que o Congresso Nacional aprove a anistia aos manifestantes do 8 de Janeiro, os ministros do STF pretendem dar a palavra final. Sim, você leu corretamente: a última palavra, mesmo se os representantes do povo decidirem outra coisa. Porque agora, ao que parece, democracia é o que cabe nas entrelinhas de decisões judiciais.
A alegação do STF é técnica, claro. Sempre é. “Crimes inafiançáveis”, “terrorismo”, “ameaça à ordem democrática”. Tudo isso sustentado por uma lei aprovada a toque de caixa no calor das emoções de 2021 — a Lei nº 14.197, que trata sobre os chamados crimes contra o Estado Democrático de Direito. Mas no fim das contas, o que está em jogo não é apenas a tipificação penal ou o arcabouço jurídico. O que está em xeque é a própria soberania popular e a liberdade de divergir.
Segundo Cappelli, ministros da Corte já articulam nos bastidores a eventual derrubada da anistia caso ela seja aprovada no Congresso. A justificativa seria a inconstitucionalidade da medida, pois os crimes praticados em 8 de Janeiro se enquadrariam nos termos que a Constituição proíbe de serem perdoados: terrorismo, crimes hediondos, ações armadas. Mas há um detalhe que os ministros e os jornalistas simpáticos ao regime não fazem questão de lembrar: os fatos do 8 de Janeiro, por mais lamentáveis que tenham sido, não se deram com armas de fogo.
Essa é, inclusive, a linha de defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, que insiste — com razão — em afirmar que não houve um levante armado. Houve quebra-quebra, houve vandalismo, houve baderna. Mas também houve omissão do Estado, incentivo disfarçado por parte de infiltrados, e sobretudo, houve uma resposta desproporcional, cruel e seletiva por parte do Judiciário brasileiro. Ninguém aqui está defendendo o caos, mas sim, a coerência — algo que parece faltar quando se trata de julgar conservadores neste país.
O interessante é observar o contraste: no Brasil de hoje, quebrar agências bancárias em protesto “antifascista” não é terrorismo. Invasões de reitorias, depredação de ministérios durante os governos petistas, nem mesmo chegaram perto de virar tema de ADPF ou mobilização nacional de ministros. Mas protestar contra um sistema viciado, num momento crítico de transição política? Isso, meus caros, é “terrorismo doméstico”.
Ainda segundo a matéria, há um plano já traçado: partidos de esquerda devem judicializar a questão caso percam no Congresso. Sim, aquela mesma esquerda que sempre vociferou contra o autoritarismo, agora conta com o Supremo para calar vozes conservadoras que, por meio de seus representantes legítimos, ousam propor uma anistia. O raciocínio é simples: se o Legislativo não atende, o Judiciário impõe. Tudo em nome da “democracia”.
Aqui vale a pena um parêntese peculiar: o próprio Artigo 5º da Constituição, frequentemente usado como escudo para barrar a anistia, também garante a liberdade de manifestação, o direito de reunião e a ampla defesa. Mas quando se trata de manifestantes de direita, esse mesmo artigo vira letra morta. O que sobra são celas superlotadas, julgamentos sumários e longas penas desproporcionais. A balança da Justiça brasileira está claramente inclinada. E não é para o lado da imparcialidade.
Na reportagem de Cappelli, a fonte do Supremo é anônima, como de costume. Os bastidores do Judiciário vivem em sombras e sussurros. E os jornalistas próximos da Corte parecem mais preocupados em antecipar decisões do que em questionar seus abusos. O quarto poder virou porta-voz do poder que deveria apenas julgar.
É preciso ir além da reportagem e entender o que está por trás de toda essa tensão. O 8 de Janeiro foi transformado num instrumento político de vingança ideológica. As imagens serviram para pintar um quadro conveniente de uma direita descontrolada e perigosa. Com isso, o discurso da censura foi normalizado, as prisões preventivas eternizadas, e agora, a possibilidade de anistia é ridicularizada.
A esquerda teme a anistia porque ela desmonta a narrativa. Reconhecer que muitos dos presos foram vítimas de manipulação, infiltração ou simplesmente estavam no local errado na hora errada — seria admitir que o sistema falhou, que o “golpe” anunciado era menos real do que a repressão que veio em seguida.
Já o STF, mais do que proteger a Constituição, tem demonstrado obsessão por proteger a sua própria autoridade. E isso significa impedir que o Congresso exerça sua função legítima. A possibilidade de o Parlamento — com ampla representatividade conservadora — decidir em favor da anistia, é intolerável para um Judiciário que não admite ser contrariado.
É por isso que esta coluna precisa ser escrita, e lida, com olhos atentos e espírito crítico. Porque não estamos falando apenas de uma anistia qualquer. Estamos falando do futuro da democracia no Brasil. Estamos falando da linha tênue entre justiça e vingança. E principalmente, estamos falando do direito do povo brasileiro de ser representado — mesmo quando isso desagrada aos senhores de toga.
Para aqueles que hoje acham que os ministros estão “apenas cumprindo a lei”, vale lembrar: as leis podem ser reinterpretadas, adaptadas, distorcidas — e têm sido. Os mesmos ministros que agora se dizem guardiões da Constituição foram os que rasgaram o devido processo legal em outras ocasiões. A pergunta que fica é: até quando os brasileiros aceitarão que o Judiciário se sobreponha ao Legislativo, em nome de uma suposta moral superior?
A anistia, para muitos brasileiros, não é um favor: é justiça. É o reconhecimento de que os excessos foram cometidos não apenas pelos manifestantes, mas principalmente por aqueles que detêm o poder de julgar e punir. Negar a anistia, portanto, é perpetuar o desequilíbrio. É legitimar a perseguição. E pior: é consolidar a ideia de que numa democracia, só podem participar dela os que pensam de forma “correta” — ou seja, à esquerda.
O artigo de Paulo Cappelli expõe, ainda que de forma neutra e factual, um plano sutil e perigoso de silenciamento político. A liberdade, a democracia e o equilíbrio entre os Poderes estão em jogo. E a nós, como cidadãos, resta fazer a pergunta mais importante que pode ser feita em tempos sombrios: se o Congresso já não decide mais, quem governa o Brasil?
No fim, o STF poderá até tentar barrar a anistia com seus pareceres e votos. Mas não poderá impedir o povo de lembrar. De resistir. De lutar pela restauração de um país onde as instituições respeitem suas fronteiras, e onde o direito de divergir não seja punido como crime de guerra.
E se for mesmo verdade que o Supremo quer dar a última palavra, talvez seja hora de o povo brasileiro lembrar que a primeira palavra sempre será sua. E a última também.
Com informações Metrópoles