
Você já se pegou escutando alguém e pensando: “Essa pessoa vive num mundo à parte”? Pois foi exatamente essa a sensação que tive ao ouvir o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, declarar — com aquela serenidade quase messiânica — que não há insegurança jurídica no Brasil. Segundo ele, trata-se apenas de uma “percepção” ou talvez, veja só, uma “lenda urbana”.
Sim, você leu certo.
Barroso estava em Nova York, num evento promovido pelo Valor Econômico, aquele jornal que serve de palco para os bem-pensantes da elite progressista brasileira, quando soltou essa pérola. Disse, com a calma dos que estão muito distantes da realidade brasileira, que o Brasil tem “estabilidade institucional”, e que as leis aqui “não retroagem”.
Mas, ministro, permita-me perguntar como um cidadão brasileiro comum: o senhor vive no mesmo Brasil que nós?
Porque o que nós vemos daqui — da realidade concreta das empresas, dos trabalhadores, dos pequenos e grandes empreendedores — é exatamente o oposto do que foi pintado nesse festival de hipocrisia institucional. O que existe, sim, e aos montes, é uma total insegurança jurídica, protagonizada justamente pela mais alta corte do país, o STF.
Quando o passado muda conforme o humor da toga
Vamos por partes. A Revista Oeste, em seu excelente programa Oeste Sem Filtro, já mostrou com clareza dois exemplos gritantes dessa tal “lenda urbana” mencionada por Barroso. Exemplos que não precisam de interpretações mirabolantes, mas apenas de bom senso, memória e um mínimo de honestidade intelectual.
O primeiro diz respeito ao caso das decisões tributárias transitadas em julgado. Empresas brasileiras haviam obtido vitórias na Justiça — inclusive no próprio STF — garantindo que determinados tributos não precisavam mais ser pagos. Isso é o que chamamos, no jargão jurídico, de ato jurídico perfeito. Tudo certo até aí, certo?
Errado.
O mesmo Supremo que julgou e bateu o martelo, resolveu rever a decisão. E não foi para frente, como qualquer sistema jurídico minimamente responsável faria. Foi para trás! O STF retroagiu a decisão, obrigando empresas a recolherem valores dos últimos dez anos. Imagine só: você, cidadão honesto, paga suas contas direitinho, vence uma ação judicial que garante esse direito… e depois vem o Estado e diz: “Desculpe, mudamos de ideia. Pague tudo de novo.”
Isso é segurança jurídica?
O caso Lula: quando a jurisprudência se ajoelha à conveniência política
E como esquecer do caso mais emblemático da década? Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em primeira, segunda e terceira instâncias por corrupção. O homem estava preso, e sua inelegibilidade era clara conforme a lei da Ficha Limpa.
Mas aí, como num passe de mágica, aparece o ministro Edson Fachin com a tese estapafúrdia de que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o “foro competente”. Pronto. A condenação desapareceu. O que era certo virou incerto. E o ex-presidiário virou presidente.
E mais uma vez, quem confirmou isso? O Supremo Tribunal Federal. A mesma corte que hoje, segundo Barroso, representa a estabilidade e a previsibilidade no Brasil.
Por favor, nos poupe, ministro.
Investidores estrangeiros já sabem: o Brasil não é confiável
Barroso pode contar sua narrativa fantasiosa para a plateia da ONU ou para as colunas do Valor Econômico, mas os investidores estrangeiros sabem exatamente onde estão pisando. E o pior: não confiam mais no Brasil.
Ainda no governo Michel Temer, durante um roadshow internacional em 2017, dez investidores estrangeiros foram ouvidos sobre seus principais receios em relação ao Brasil. Nenhum — nenhum! — mencionou o câmbio, a inflação ou a carga tributária.
Todos disseram a mesma coisa: “O Brasil muda a regra com o jogo em andamento.”
Ou seja, o problema não está na economia em si, mas na falta de previsibilidade institucional, causada por decisões absurdas, mutantes e ideológicas do próprio STF. Isso mina a confiança no país. Isso mata o investimento. E isso destrói empregos.
“Derrotamos o bolsonarismo”: a confissão que não será esquecida
É o mesmo Barroso que, tempos atrás, confessou publicamente que “derrotamos o bolsonarismo” durante um evento na Universidade de Yale, nos EUA. Uma declaração que, sozinha, já desacredita completamente qualquer imparcialidade judicial de sua parte.
Pior: agora, durante essa nova viagem internacional, o ministro admitiu que solicitou ajuda ao governo Biden para as eleições no Brasil. Isso é ou não é interferência estrangeira direta num processo democrático?
Em qualquer país sério, isso bastaria para uma renúncia forçada, uma CPI urgente e, no mínimo, um escândalo internacional. Aqui? Aqui Barroso volta ao Brasil de cabeça erguida e diz que tudo está bem. Que somos uma “democracia vibrante”. E que não existe “insegurança jurídica”.
É demais para qualquer cidadão que ainda conserve um pingo de discernimento.
O STF como legislador supremo: o atropelo ao Congresso
A Constituição de 1988 — essa mesma que os ministros do STF juraram defender — diz que quem cria leis no Brasil é o Congresso Nacional. Mas não é isso que temos visto. Nos últimos anos, o STF vem legislando por conta própria, revogando leis, impondo decisões morais e políticas, censurando parlamentares e até prendendo adversários políticos.
Ou seja, o STF deixou de ser o guardião da Constituição e passou a ser o poder absoluto do Brasil, agindo muitas vezes acima do Executivo e do Legislativo.
Barroso pode tentar dourar a pílula para os gringos em Nova York, mas os brasileiros sabem que o Supremo hoje extrapolou todos os limites institucionais.
Quando a toga vira trono e a Constituição, papel de rascunho
O que está acontecendo no Brasil é uma distorção perigosa dos três poderes. O Legislativo tem sido tratado como um apêndice irrelevante; o Executivo, como um inimigo a ser domesticado; e o Judiciário, especialmente o STF, se tornou uma monarquia de onze cabeças, onde ministros se revezam entre discursos de autoexaltação e decisões cada vez mais arbitrárias.
E quando um deles — como Barroso — tem a audácia de dizer, com todas as letras, que não existe insegurança jurídica, o que ele realmente está dizendo é: “Aceitem nossa autoridade absoluta, mesmo quando ela for contraditória e inconstitucional.”
Isso não é democracia. Isso é usurpação institucional.
Respeito ao povo brasileiro: isso sim é o que falta
O povo brasileiro é trabalhador. É honesto. Estuda, empreende, produz, sustenta esse país com suor e fé. E merece respeito. Não discursos cínicos embalados em inglês técnico para plateias estrangeiras. Não decisões que mudam conforme a conveniência do momento. E muito menos ministros que se julgam deuses togados, acima de qualquer crítica.
O Brasil precisa urgentemente recuperar a harmonia entre os poderes. E isso só será possível quando o STF deixar de ser o centro de comando ideológico da nação, e voltar a ser o que deveria: um tribunal constitucional técnico, imparcial e discreto.
Até lá, senhor Barroso, não tente nos convencer de que o caos institucional em que vivemos é apenas uma “lenda urbana”. Porque aqui fora, no mundo real, onde a insegurança jurídica tem nome, endereço e CPF, nós sabemos a verdade.
E a verdade, por mais que tentem enterrá-la com toga e discursos rebuscados, sempre ressurge.