
Você acorda num sábado qualquer, toma o seu café, lê os jornais e se depara com mais uma daquelas notas oficiais do STF que parecem roteiros de ficção. Mas não qualquer ficção. Daquelas ruins, mal dirigidas, com atuação forçada e enredo que subestima a inteligência do público. E o protagonista da vez é ele mesmo: Luís Roberto Barroso, com sua pena “divina” e sua vocação autoritária travestida de heroísmo institucional.
Foi Paulo Polzonoff Jr., aquele jornalista e cronista que você já deve ter lido mais de uma vez na Gazeta do Povo, quem escancarou a farsa dessa nota enviada à revista The Economist. Ele chamou a coisa pelo nome: A Mentira em Papel Timbrado do STF, e com toda a razão. Porque não se trata apenas de exagero retórico ou narrativa enviesada. Trata-se de uma operação descarada para remodelar a realidade conforme a vontade de quem acredita estar acima do bem, do mal — e da Constituição.
A nota assinada por Barroso responde a uma matéria da The Economist que ousou tocar na ferida aberta da supremocracia brasileira. A revista britânica, conhecida por seu estilo sóbrio e análises detalhadas, teve o “atrevimento” de questionar o poder absoluto de Alexandre de Moraes, o mais midiático dos ministros da toga. E como todo autoritário que se preze, o STF não tolera ser contestado. Muito menos no exterior.
Agora, veja só o nível da paranoia: Barroso interrompeu suas miniférias em Trancoso, o paraíso dos milionários progressistas, para redigir essa obra-prima do vitimismo institucional. Diz ele, em tom grave, que o Brasil enfrentou uma tentativa de golpe, uma ameaça existencial à democracia, um cataclisma político que exigiu o salvamento supremo — por ele mesmo, é claro.
Você pode até achar que é piada. Mas não. É um documento oficial, com tradução para o inglês, como se fosse um recado à rainha da Inglaterra (que nem viva está mais, coitada). E o mais espantoso é que muita gente vai engolir esse teatro, porque ainda acredita que o STF age como guardião da Constituição. Quando, na verdade, está mais para guardião de narrativas.
Barroso cita a tal “invasão” de 8 de janeiro como o estopim do caos. Mas esquece, convenientemente, das inúmeras vezes que a esquerda invadiu propriedades públicas, depredou patrimônios, cuspiu em autoridades e foi tratada como “movimento social legítimo”. Você lembra dos protestos do PT, do MST, da CUT? Todos cuidadosamente embalados pela mídia como manifestações democráticas.
Já quando é o povo comum, o brasileiro patriota que resolve levantar a voz, aí não: vira extremista. Se vai pra frente do quartel, é terrorista. Se carrega uma bandeira, é golpista. Se canta o Hino Nacional, é protofascista. E se critica Moraes ou Barroso… bom, aí corre o risco de ser preso sem processo, sem defesa, sem dignidade.
A hipocrisia é tão escancarada que chega a ser cômica. Barroso fala sobre um suposto plano de assassinato contra o presidente, o vice e um ministro do STF. Mas até agora ninguém viu esse plano. Nenhum documento, nenhuma prova, nem um PowerPoint tosco. O que se sabe — e aqui vale lembrar com a ironia de Polzonoff — é que o tal “terrorista” não conseguiu nem chamar um táxi. Isso mesmo: o golpe caiu por falta de transporte.
Mas o auge do absurdo está mesmo na forma como Barroso descreve o próprio tribunal. Diz ele que foi necessária a atuação de um STF “independente e atuante” para evitar o colapso das instituições. Veja bem: independente! Justamente o tribunal que age como executor-chefe de uma agenda política, que rasga regimentos internos, persegue adversários ideológicos e censura veículos de imprensa. Essa independência toda me parece muito mais parecida com autoritarismo ativista.
E aí vem o toque de mestre da canetada barrosiana: a comparação do Brasil com países da América Latina e do Leste Europeu. A gente já viu esse truque antes. É aquele papinho de “olha como estamos perto de virar a Venezuela”. Só que — ironicamente — quem mais se parece com os líderes bolivarianos são os próprios ministros que centralizam poder, ameaçam adversários, controlam redes sociais e impõem um clima de medo generalizado.
E por falar em redes sociais, Barroso ainda teve a audácia de justificar a censura ao Twitter (ou “X”, como preferir) dizendo que a empresa foi suspensa porque “retirou seus representantes legais do país”. Mentira. Foi suspensa porque se recusou a participar da farsa censória comandada por Alexandre de Moraes, que queria acesso irrestrito aos dados de usuários, remoção de conteúdo sob sigilo e cooptação total da plataforma.
E quem ousasse contrariar, fosse um usuário, um jornalista ou um funcionário da empresa, sabia que a caneta do Supremo viria com tudo. A nova forma de prender no Brasil se chama “desacato digital”.
Mas Barroso não para por aí. Ele tenta nos convencer de que todas as remoções de conteúdo feitas pelo STF foram baseadas em crimes reais, instigações perigosíssimas e planos mirabolantes de golpe. Só tem um detalhe: ninguém viu essas decisões. Estão todas em segredo de justiça. Ou seja: você precisa acreditar porque o iluminado ministro mandou — e ponto final.
E se você duvida, é bolsonarista, é anti-democrático, é ameaça à pátria. Porque, segundo Barroso, “nós derrotamos o bolsonarismo”. Tem vídeo. Tem áudio. Tem sintaxe. Tem tudo. Ele disse com todas as letras, pra uma plateia de jovens encantados pela eloquência suprema. Mas agora, quando questionado, nega. Diz que foi mal interpretado. Que a frase era outra. Que não quis dizer isso. O velho truque do “não foi bem isso que eu quis dizer”.
Agora me diga: o que é mais perigoso para a democracia? Um grupo de cidadãos inconformados protestando em frente a quartéis, ou um poder que mente descaradamente à imprensa internacional e usa seu prestígio institucional para legitimar a censura, a perseguição e o arbítrio?
A resposta é clara. E você sente isso na pele. No bolso. No medo de falar. No receio de compartilhar um link, comentar uma notícia, curtir uma postagem. O medo se espalhou. A autocensura se tornou rotina. E o STF, antes um símbolo da Justiça, virou uma torre de marfim onde se escreve o roteiro de uma democracia fantasiosa, feita para inglês ver.
Barroso fala em coragem. Diz que Moraes cumpre seu papel com bravura. Mas coragem, meu caro, é enfrentar o contraditório. É respeitar a Constituição mesmo quando ela te obriga a engolir o que você não gosta. É garantir liberdade de expressão até para os idiotas. É reconhecer que o Estado de Direito não pode ser seletivo, nem militante.
Coragem, de verdade, é permitir que a imprensa funcione livremente, que os cidadãos possam protestar sem medo, que os políticos sejam fiscalizados, e que os juízes se contenham nos limites da lei. Coragem é aceitar que nem todo “nós” inclui a toga.
E se você chegou até aqui, talvez esteja se perguntando o que fazer diante desse cenário. A resposta é simples e difícil ao mesmo tempo: não se cale. Não aceite a mentira disfarçada de nota técnica. Não engula o autoritarismo travestido de legalismo. Não se conforme com uma justiça que precisa de escolta armada para ser respeitada.
Compartilhe textos como o de Paulo Polzonoff Jr.. Comente, debata, estude. E, acima de tudo, vote com consciência. Porque, no fim das contas, a caneta que legitima tudo isso foi entregue por você — ou por quem se omitiu.
E lembre-se: quando o poder se torna absoluto, a verdade vira crime. E nesse cenário distópico, você é o herói que ainda pode fazer a diferença. Mesmo que seja com um simples clique, uma palavra escrita, uma conversa no almoço de domingo.
Mas não se engane: eles têm a mídia, têm o STF, têm os artistas, os banqueiros, os influenciadores. Mas nós temos algo que eles jamais terão: a verdade — e a coragem de dizê-la em voz alta.