
Em tempos de desilusão política, nada é mais simbólico da falência moral de certas figuras públicas do que assistir aos paladinos da ética, do “liberalismo de fachada”, atolados até o pescoço no mesmo lodaçal que costumavam denunciar. O caso escancarado pelo youtuber Nando Moura, e posteriormente repercutido pela Crusoé, sobre o Movimento Brasil Livre (MBL) e seu “partido” Missão, é a mais perfeita encarnação da hipocrisia travestida de rebeldia jovem.
Sim, senhoras e senhores, o MBL — aquele mesmo que se dizia combatente da “mamata”, que chamava os outros de “isentões”, que gritava contra a esquerda “estatizante” — está agora envolvido em uma estrutura de favorecimento familiar e uso de dinheiro público para fins privados, segundo os documentos e as denúncias que vieram à tona. Não é alegoria. Não é exagero. É um espelho do que acontece quando o discurso libertário encontra a prática da velha política… e se apaixona.
E veja bem, não se trata de ataques gratuitos, de “ódio infundado”, como tentam pintar seus membros em vídeos emocionados e bem produzidos. Os dados estão lá, em documentos públicos, e os valores — ainda que modestos para os padrões do Congresso — são o suficiente para retratar a estrutura de poder nepotista e a transformação do ideal liberal em mais um negócio de família. Ou você acha mesmo que a AS Gestão e Produções Artísticas LTDA., que recebeu R$ 84.036,18 do fundão eleitoral, é apenas uma “coincidência” por ser controlada por Alexandre Santos, o irmão do Renan Santos?
A resposta do próprio Renan, aliás, é um espetáculo à parte. Entre declarações sentimentais sobre sua trajetória de vida e elogios ao talento do irmão, esconde-se o verdadeiro ponto: eles usaram, sim, dinheiro público para contratar a produtora do irmão. E pior: não demonstram remorso. Ao contrário, se orgulham da eficiência do “Salsicha”, o tal irmão-produtor, como se competência anulasse o evidente conflito de interesses. Em tempos normais, isso bastaria para uma devassa ética. Mas em tempos de cinismo generalizado, isso vira apenas mais um vídeo no YouTube, com trilha sonora heróica e narrativa ensaiada.
É curioso notar como esse tipo de argumento seria imediatamente destruído se viesse da boca de um petista ou de qualquer outro figurão da velha guarda. Mas vindo de um “liberal com camiseta preta”, parece ter um passe livre moral. Será?
A Crusoé, em seu tom habitual, tratou do assunto com a seriedade esperada, dando espaço às acusações e às réplicas. Mas aqui, no Conservadores Online, a análise precisa ir além da superfície. Porque este caso não é apenas sobre o uso do fundão eleitoral. É sobre traição ideológica, uso de dinheiro público para autopromoção, e construção de uma estrutura de poder absolutamente centralizadora e familiar, tudo isso sob o disfarce de “movimento jovem anticorrupção”.
Enquanto isso, os próprios membros do MBL tentam se defender dizendo que “não são bons mamadores”. Kim Kataguiri, por exemplo, afirmou em sua defesa que doou meio milhão de reais de seu próprio salário a instituições de caridade e abriu mão de verbas. Muito bonito, não? Mas isso não apaga o uso do fundão para autopromoção nas redes. Não apaga os R$ 217 mil de impulsionamento pagos com dinheiro público por Renato Battista, nem os R$ 203 mil gastos por Amanda Vettorazzo. Tudo para vender curso de “engenheiro de narrativas” e revistinhas militantes. É ou não é a revolução do capitalismo de lacração?
Vamos aos fatos. Não há escapatória lógica para justificar que um grupo político que se posicionou contra o uso do fundão eleitoral em todas as suas manifestações públicas, acabe usando esse mesmo fundo para financiar suas campanhas, contratar parentes e, como se não bastasse, impulsionar postagens em redes sociais que depois alimentam seus próprios negócios privados. Estamos diante de uma estrutura híbrida: um Frankenstein político que mistura discurso liberal, prática fisiológica e nepotismo institucionalizado.
E para os que ainda não entenderam a gravidade do que foi exposto, vejamos: o partido Missão, criado pelo MBL, tem como membros natos e dirigentes familiares diretos dos fundadores. Segundo os dados expostos por Nando Moura e confirmados em parte pela Crusoé:
- Gustavo Moledo do Val, irmão de Arthur do Val, é membro nato do partido;
- Manuel Costa do Val Filho, pai de Arthur, é presidente estadual em Minas Gerais (mesmo morando em São Paulo);
- Alexandre Henrique dos Santos, o Salsicha, irmão de Renan, é vice-presidente do diretório de São Paulo;
- Sueli Liporacci, mãe de Renan, é secretária-geral na Bahia (também morando em São Paulo);
- Márcio Jorge, o pai, é presidente do diretório do Rio Grande do Norte.
Uma família que vale por três estados. Uma organização que parece mais uma empresa limitada familiar do que um partido político. Onde estão os jovens liberais “sem amarras”, os autênticos libertários?
Na prática, o que temos é uma organização com discurso moderno, estética digital e práticas da velha política clientelista, escondida sob a capa de “empreendedorismo político”. Tudo muito bem ensaiado, muito bem roteirizado… inclusive porque o próprio Renan admite que seus vídeos são produzidos pelo irmão. A estética é moderna, mas o conteúdo é medieval.
E o mais espantoso: eles não se arrependem. Usam do argumento da competência como se fosse desculpa para tudo. Se é competente, então pode ser irmão. Se entrega abaixo do preço de mercado, então dane-se a moralidade pública. Se “a estética revolucionou a linguagem política”, então vale qualquer coisa. Eis aí o niilismo político em sua forma mais sofisticada: se algo funciona, pouco importa se é ético. Se é bonito na tela, que se dane a Constituição. Se o vídeo bomba, dane-se a coerência.
É essa a nova direita que querem construir? Um clube de youtubers com fundo partidário, direcionamento familiar e discurso de marketing político vendido como ideologia?
E aqui entra a nossa responsabilidade, como conservadores autênticos. Não basta combater a esquerda quando ela saqueia o Estado. Precisamos também olhar para dentro e reconhecer os traidores internos — aqueles que, sob o disfarce do “novo”, carregam as mesmas práticas fisiológicas que diziam combater.
O MBL não é mais o mesmo movimento das manifestações de 2015. Não é mais o grupo que enfrentava a hegemonia petista nas ruas. Transformou-se em marca, negócio, plataforma de influência. Seus membros parecem mais preocupados em vender cursos e impulsionar postagens do que com os princípios que um dia disseram defender. E isso é uma tragédia para a direita brasileira, que já sofre com uma crônica dificuldade de renovar seus quadros com seriedade.
A resposta emocional do Renan Santos em sua live — repleta de memórias pessoais, confissões íntimas e frases como “meu irmão me salvou da depressão” — não responde à questão central: por que, mesmo após tanta crítica ao sistema, aceitaram embarcar nele com tanto gosto? Não se trata de quem ajudou quem na infância, mas de quem está se ajudando com dinheiro público hoje.
Já Kim Kataguiri, na tentativa de se isentar, parece mais ofendido com o termo “mamador” do que preocupado em esclarecer os fatos. Sua defesa gira em torno do argumento de que, como abriu mão de salários e verbas, então estaria isento de qualquer crítica. Mas uma coisa não exclui a outra. Ele pode, de fato, ter sido econômico como deputado. Isso não isenta o grupo do uso indevido do fundão, nem da hipocrisia de criticar publicamente algo que, nos bastidores, se usa com gosto.
O caso é emblemático porque escancara um padrão. A nova política brasileira está sendo capturada por uma geração que sabe usar as ferramentas da comunicação, mas não compreendeu — ou escolheu ignorar — os limites éticos que deveriam nortear a atuação pública. E isso é gravíssimo. Porque um corrupto velho é previsível. Mas um corrupto “moderno”, com discurso afiado, estética digital e fã-clube no YouTube, é muito mais perigoso.
O nome disso não é renovação. É sofisticação da velha política.
E se alguém ainda acha que tudo isso é exagero, basta inverter os personagens. Imagine se os R$ 86 mil fossem pagos a uma produtora do irmão de um petista. Imagine se a mãe de um militante do PSOL fosse secretária-geral de um partido, morando em outro estado. Imagine se um deputado de esquerda usasse R$ 200 mil do fundão para impulsionar seu Instagram. Estaríamos vendo vídeos indignados do MBL, editoriais inflamados e hashtags nas redes. Mas agora, como são eles os protagonistas, tudo vira drama existencial e discurso emocional.
Essa é a verdade nua e crua: o MBL caiu. Caiu em contradição, caiu em incoerência, caiu na velha tentação do poder. E não será com vídeos bem produzidos, nem com cursos online de “narrativas” que vão se redimir. Porque credibilidade, meu caro, não se reconstrói com estética. Se reconstrói com caráter.
Com informações Revista Crusoé