
Em um mundo onde os microfones estão sempre ligados e os holofotes disputam o brilho das manchetes, é curioso observar o momento exato em que figuras públicas decidem escorregar no palco da coerência para conquistar aplausos fáceis. Foi exatamente o que aconteceu com Ehud Olmert, ex-primeiro-ministro de Israel, ao conceder uma entrevista à BBC — devidamente repercutida pelo jornal britânico The Guardian — e afirmar que o que Israel está fazendo em Gaza é “muito próximo de um crime de guerra”.
A fala de Olmert chega com a sutileza de um míssil retórico: explosiva, calculada e, principalmente, direcionada para uma audiência internacional que prefere ver Israel como vilão do que como vítima de um ataque terrorista brutal. Sim, isso mesmo: brutal. Foi o que o Hamas, organização terrorista reconhecida por inúmeros países, fez em 7 de outubro de 2023, ao invadir Israel, assassinar mais de 1.200 civis, entre eles mulheres, crianças e idosos, e sequestrar mais de 200 pessoas. Mas, convenientemente, isso parece não ocupar mais espaço no discurso de Olmert.
E aqui vale uma pausa para refletir: por que um ex-líder do Estado judeu — que já comandou operações militares em Gaza — viria agora a público, em um dos momentos mais delicados da história moderna de Israel, lançar palavras que municiam justamente os críticos mais ferozes do país? A resposta pode não ser simples, mas certamente está longe de ser inocente.
Em sua fala à BBC, Olmert descreveu a atual operação militar como uma “guerra sem propósito” e “sem chance de conseguir algo que pudesse salvar as vidas dos reféns”. Ora, vindo de alguém que, em seu próprio governo, lançou ofensivas parecidas em Gaza, como a Operação Chumbo Fundido, é um tanto hipócrita. Afinal, será que naquela época os ataques eram “com propósito”, mesmo tendo gerado centenas de mortes palestinas? Ou será que o que muda agora é o nome do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, seu eterno rival político?
O ex-premiê ainda afirmou que a “aparência óbvia” da campanha em Gaza é que Israel está matando muitos palestinos e que “de todos os pontos de vista, isso é odioso e ultrajante”. De todos os pontos de vista, sr. Olmert? Inclusive do ponto de vista de quem viu seus filhos queimados vivos pelos jihadistas do Hamas? Do ponto de vista das mães que ainda dormem abraçadas a retratos, sem saber se seus filhos sequestrados estão vivos ou mortos nos túneis de Gaza?
Sim, a guerra é feia, é cruel e trágica. Ninguém com senso moral ignora o sofrimento dos inocentes — nem israelenses, nem palestinos. Mas transformar a legítima defesa de um país em acusação de crime de guerra, sem contextualizar o que está acontecendo, é tão perigoso quanto hipócrita. É como se Olmert tivesse decidido vestir a toga do tribunal internacional e, ao mesmo tempo, ignorar os crimes de guerra que o Hamas comete diariamente — incluindo o uso de civis como escudos humanos.
A acusação velada de “crime de guerra” é a expressão preferida dos círculos progressistas europeus e das ONGs que, curiosamente, silenciam diante de massacres em países muçulmanos que não envolvam Israel. Quando Rússia bombardeia civis na Ucrânia, ou quando Assad gaseifica seus opositores na Síria, os protestos são tímidos, burocráticos e diplomáticos. Mas quando Israel responde a um ataque terrorista, o coro ensaiado clama por “proporcionalidade”. O problema é que o terrorismo nunca joga limpo, e exigir proporcionalidade de um Estado democrático contra uma organização terrorista é o mesmo que pedir ética a um serial killer.
O caso de Olmert é especialmente trágico porque representa o colapso moral de uma liderança que um dia entendeu o valor da sobrevivência de Israel. Ele já foi defensor da política de firmeza contra o Hamas. Já autorizou bombardeios. Já enfrentou a imprensa internacional com a coragem de quem sabia que Israel não pode se dar ao luxo de perder nenhuma guerra — porque uma única derrota significaria o fim do país. Mas agora, com os cabelos brancos e a ambição política superada pela necessidade de permanecer relevante, Olmert optou pela rota mais populista: a da demonização seletiva.
E como se não bastasse o conteúdo questionável da fala, é importante destacar onde e para quem ela foi dita. A entrevista foi concedida à BBC, uma emissora que, nos últimos anos, tem enfrentado duras críticas por sua cobertura tendenciosa contra Israel, frequentemente colocando o Estado judeu como agressor e o Hamas como “militantes” ou “combatentes”, evitando até mesmo o uso do termo “terroristas”. O The Guardian, que repercutiu as declarações, também não é conhecido por sua imparcialidade quando o assunto é o conflito israelo-palestino. O palco estava armado, a audiência preparada e o script ensaiado.
A pergunta que não quer calar é: o que Olmert espera colher com isso? Aplausos da esquerda global? Uma reabilitação midiática? Uma tentativa frustrada de mostrar que é diferente de Netanyahu, mesmo que isso custe a honra de um povo sitiado? Ou será apenas mais um capítulo da velha novela política israelense, onde a vaidade pessoal se sobrepõe ao interesse nacional?
O mais perigoso, contudo, não é o impacto imediato da fala de Olmert, mas seu uso como ferramenta de propaganda pelo próprio Hamas e seus aliados no mundo árabe e ocidental. Quando um ex-primeiro-ministro de Israel diz que seu país está cometendo crimes de guerra, ele legitima todos aqueles que já acusam o país de apartheid, de genocídio e outras aberrações retóricas promovidas por ativistas que nem sabem apontar Gaza no mapa.
Não é a primeira vez que Ehud Olmert decepciona. Sua carreira política já foi manchada por escândalos de corrupção, pelos quais chegou a ser condenado e preso. Sim, o homem que agora fala sobre moralidade e direitos humanos já foi julgado por suborno e abuso de poder. E isso precisa ser lembrado, não por vingança ou revanchismo, mas porque o caráter de quem acusa importa — especialmente quando a acusação é contra um país inteiro, em plena guerra por sua sobrevivência.
A fala de Olmert também revela um traço triste, mas comum, entre certos setores da elite israelense: a autoflagelação pública para agradar plateias estrangeiras. É como se, ao atacar Israel, eles pudessem garantir um lugar à mesa das elites europeias, dos fóruns da ONU ou das universidades americanas. Mas essa estratégia, além de desonesta, é inútil: quem odeia Israel continuará odiando, não importa quantos Olmerts apareçam pedindo desculpas.
No fim das contas, o ex-primeiro-ministro parece ter esquecido que Israel não está em guerra por escolha, mas por necessidade. Está lutando para recuperar seus cidadãos sequestrados, para impedir que novos massacres aconteçam, para garantir que a única democracia do Oriente Médio continue existindo. Reduzir isso a “uma guerra sem propósito” é não apenas falso — é perverso.
Israel merece críticas, claro. Toda democracia verdadeira precisa lidar com o dissenso. Mas essas críticas devem ser feitas com responsabilidade, contexto e compromisso com a verdade. O que Olmert fez foi o oposto disso. Escolheu a manchete fácil, a moral barata e o esquecimento conveniente de sua própria trajetória. Ao fazer isso, não apenas traiu o governo atual, mas também os princípios que um dia afirmou defender.
A história certamente julgará a atual guerra em Gaza. Mas ela também julgará os que, como Olmert, optaram por se curvar à narrativa fácil, abandonando a responsabilidade histórica de proteger o legado de Israel diante de seus inimigos — internos e externos.
E quando esse julgamento acontecer, não haverá palco internacional, nem microfone estrangeiro, capaz de esconder a verdade.
Ehud Olmert pode ter sido primeiro-ministro de Israel, mas hoje atua como porta-voz de uma narrativa que enfraquece seu próprio povo em nome de uma falsa virtude.
E essa é a verdadeira tragédia.
Com informações The Guardian