
Ah, o Brasil! Esse país onde a “democracia” é definida pelo monopólio do pensamento único e pela exaltação de figuras que, curiosamente, sempre saem ilesas dos escândalos que atravessam as décadas. Hoje, temos Gilmar Mendes, o arauto da moralidade seletiva, nos dando uma aula de história enviesada e embalada no típico discurso de reverência à Nova República. Com a pompa de um escriba oficial do regime, ele celebra José Sarney como o “primeiro presidente civil” após a tal “ditadura”, ignorando convenientemente os arranjos políticos que permitiram a ascensão desse mesmo governo e o que veio depois: décadas de corrupção institucionalizada e aparelhamento do Estado.
Mas não se engane, amigo leitor, essa não é uma simples viagem nostálgica ao passado. Isso é parte de um projeto meticuloso: a fabricação de uma narrativa única onde qualquer discordância é tratada como um ataque às “instituições”. E quem são os grandes estadistas enaltecidos por Gilmar Mendes? Tancredo Neves, que jamais assumiu o cargo; Ulysses Guimarães, cuja retórica democrática curiosamente sempre serviu ao establishment; José Sarney, o patrono do fisiologismo nacional; e Paulo Brossard, mais um dos tantos que souberam surfar na onda da transição política sem romper com os velhos vícios do sistema. Essas são as referências do nosso “renascimento democrático”?
É engraçado como as supostas vítimas do passado se tornaram os verdadeiros algozes do presente. Quem ousa desafiar a narrativa oficial logo se torna alvo de perseguições, processos e censura. Afinal, a “democracia” deles não admite vozes dissidentes. Gilmar Mendes fala em “vitória da democracia sobre o arbítrio”, mas esquece de mencionar como o arbítrio hoje veste toga e determina, sem qualquer escrutínio, quem pode e quem não pode falar, quem pode e quem não pode concorrer, quem pode e quem não pode existir politicamente no Brasil.
A data de hoje deve ser celebrada como a vitória da democracia sobre o arbítrio e serve de lembrete da força das instituições, construídas pelas mãos de grandes estadistas do nível de Tancredo, Ulysses, Sarney e Brossard.
— Gilmar Mendes (@gilmarmendes) March 15, 2025
Dizem que a História é escrita pelos vencedores. No Brasil, ela é reescrita diariamente pelos togados que transformaram a Constituição em um papel flexível, dobrável e, muitas vezes, descartável. Eles determinam o que é democracia e o que não é, quem deve ser exaltado e quem deve ser execrado. E se alguém ousar questionar? Bem, para isso existem as decisões monocráticas e a jurisprudência mutante, moldada conforme a necessidade do dia.
Enquanto isso, o cidadão comum, aquele que sustenta essa máquina infernal com impostos extorsivos, continua refém desse teatro cínico. Ele paga a conta enquanto os verdadeiros donos do poder fazem seus discursos pomposos sobre a “força das instituições”—instituições essas que, ao longo dos últimos anos, mostraram-se implacáveis contra adversários políticos e inacreditavelmente complacentes com aqueles que seguem a cartilha do sistema. O que dizer de uma democracia onde a alternância de poder se torna inviável porque sempre há um obstáculo jurídico, um inquérito sigiloso ou uma canetada salvadora para manter os mesmos no comando?
Então, celebremos, sim, os 40 anos dessa “democracia”. Mas celebremos com olhos abertos para a realidade: a liberdade só vale para quem repete o discurso permitido; o arbítrio agora é mascarado de legalidade; e os novos senhores do poder não precisam mais de tanques nas ruas—basta uma assinatura, um despacho e a complacência de uma mídia subserviente. Essa é a “vitória da democracia” que Gilmar Mendes nos pede para aplaudir?