
Não é todo dia que se vê uma aliada de longa data do presidente Donald Trump disposta a gritar contra os ventos do poder — especialmente quando esse poder habita, temporariamente, a mesma Casa Branca que ela ajudou a ocupar com sua militância desenfreada. Mas, se alguém pode ocupar esse posto de rebelde interna da direita americana, esse alguém atende pelo nome de Laura Loomer.
Você pode até não gostar do estilo de Loomer — e cá entre nós, ele realmente não é para qualquer um —, mas ignorá-la? Jamais. A mulher que já se algemou ao prédio do Twitter, que foi banida por “discurso de ódio” e que nunca teve vergonha de dizer que o 11 de Setembro foi um “trabalho interno”, hoje não apenas discorda da Casa Branca, como também parece pautar parte dela.
Longe de qualquer cargo oficial, sem crachá ou salário, Laura Loomer se tornou uma espécie de “consciência crítica” do MAGA, ainda que aos berros. E ela faz isso do modo que melhor sabe: sem pedir licença, sem amenizar palavras e com uma fidelidade canina — mas exigente — ao homem que, segundo ela, ainda representa a última esperança da América.
Sim, Loomer diz que ama Trump. Tomaria um tiro por ele, já declarou. Mas esse amor não vem com venda nos olhos. Pelo contrário: ela se vê como a única capaz de abrir os olhos do próprio presidente.
Não estamos falando de qualquer “agitadora online”. Estamos falando de alguém com mais de 1,6 milhão de seguidores no X, que participa de programas como o de Steve Bannon, que diz ter “derrubado” gente graúda como o ex-assessor de segurança nacional Mike Waltz, e que se coloca, sem falsa modéstia, como a intermediária entre a verdade do movimento MAGA e as distrações do establishment trumpista.
Gostando ou não, ela tem razão em algo: alguém precisa vigiar o trono, mesmo que seja do lado de fora do castelo.
E foi justamente essa postura vigilante que a colocou em rota de colisão com diversas decisões recentes do governo Trump. A começar pelo surreal anúncio de Casey Means como cirurgiã-geral — uma “guru espiritual” que, segundo Loomer, fala com árvores, médiums e o universo. Uma médica sem licença para clinicar, mas com lugar garantido no alto escalão da saúde pública. Para Loomer, essa escolha é um insulto à seriedade da administração e um aceno perigoso ao esoterismo progressista.
Mas não parou por aí. Quando Trump elogiou o novo Papa Leão XIV, Loomer não teve dúvidas em rotulá-lo de “marxista” e “anti-MAGA”. E quando o presidente decidiu aliviar sanções econômicas sobre a Síria, ela enxergou mais do que uma decisão diplomática: viu um tapa na cara dos conservadores que lutam contra o islamismo radical. Segundo Loomer, aceitar qualquer “presente” do governo do Qatar — um dos patrocinadores históricos do Hamas — seria como dar as chaves da Casa Branca a jihadistas de terno.
E aqui vale uma pausa: será mesmo que Loomer exagera? Ou será que ela é a única disposta a apontar os pontos cegos de um governo que corre o risco de perder sua bússola ideológica enquanto tenta costurar alianças globais?
Enquanto muitos se acomodam com a ideia de que qualquer decisão de Trump é, por definição, a correta, Laura Loomer desafia essa lógica com unhas, dentes e postagens virulentas. E, claro, com o combustível preferido da era digital: engajamento.
Ela não se limita a criticar a política externa. Também vem disparando contra nomes como Pam Bondi, atual procuradora-geral, a quem acusa de negligência e frouxidão no combate à corrupção dentro do Departamento de Justiça. E, em uma de suas participações mais recentes no programa de Steve Bannon, Loomer afirmou — sem pestanejar — que já sabia há um ano que Joe Biden estava com câncer terminal. Uma bomba que, se fosse dita por qualquer jornalista tradicional, seria imediatamente taxada como fake news… Mas que, dita por Loomer, explode nas redes e movimenta corações inflamados.
Bannon, aliás, a considera uma “guerreira da guerra da informação”. E como guerreira, Loomer não poupa ninguém. Nem Trump, quando necessário. Porque, apesar de seu amor declarado pelo presidente, ela não está lá para bajular — está lá para lembrar quem o elegeu, por quê, e o que se espera dele.
Esse é, talvez, o ponto mais incômodo para a Casa Branca. Enquanto muitos assessores disputam bajulações nos bastidores, Loomer briga por coerência pública. E se alguém ousa chamá-la de “problemática”, ela responde com ações — como quando a mídia americana relatou que, após uma reunião com Trump na Casa Branca, diversos membros da equipe de segurança nacional foram demitidos. Coincidência? Talvez. Mas Loomer afirma que foi ela quem puxou o gatilho.
Trump negou? Claro que sim. Mas, no xadrez político, negar é muitas vezes confirmar com outra embalagem.
Ainda assim, há um limite tênue entre a crítica construtiva e a imprudência. E muitos conservadores temem que Loomer ultrapasse essa linha. Marjorie Taylor Greene, outra estrela do MAGA, já a classificou como “racista” e “odiosa”, acusando-a de macular a reputação do movimento. Uma crítica pesada, vinda de alguém que também não é conhecida por meias palavras.
E então surge a pergunta: quem é Laura Loomer, afinal? Uma ativista destemida que tenta preservar a integridade do MAGA? Ou uma incendiária digital, movida por vaidade e teorias conspiratórias?
A resposta, como sempre, talvez esteja no meio.
Há algo de profundamente necessário — e até saudável — no desconforto que Loomer causa. Em tempos de unanimidades forjadas e alinhamentos automáticos, vozes dissonantes como a dela funcionam como termômetros da base. E ignorar esse termômetro pode custar caro, sobretudo em tempos eleitorais.
Afinal, o movimento MAGA nasceu da rebelião contra o sistema. Nasceu da recusa em aceitar soluções prontas. E se hoje há gente tentando transformar Trump em um novo establishment, é natural — até inevitável — que surjam Loomers pelo caminho.
Ela pode ser desequilibrada, barulhenta e até inconveniente. Mas talvez o verdadeiro incômodo seja outro: Laura Loomer representa um conservadorismo intransigente, que não se curva nem diante do próprio rei.
Se ela exagera ou não, isso é questão de interpretação. Mas se está fazendo barulho? Ah, isso está. E, no fim das contas, talvez seja justamente esse barulho que nos lembre de que, dentro da direita americana — e talvez também da brasileira —, ainda há espaço para a crítica feroz, desde que venha do lado certo da trincheira.
Porque, se o MAGA virar um culto ao líder em vez de um movimento de ideias, terá perdido aquilo que o fez vitorioso. E, para o bem ou para o mal, Loomer está ali para lembrar disso — ainda que gritando.
Com informações Reuters