
A matéria publicada pela Gazeta do Povo, assinada por Vandré Kramer, não poderia ter título mais preciso: “Lula faz bondade com chapéu alheio”. E é exatamente isso que está em curso nos bastidores da reforma do Imposto de Renda proposta por esse governo que, com sua conhecida retórica populista, tenta vender justiça social à base da destruição da autonomia federativa e do sufocamento das finanças municipais e estaduais.
É curioso como o PT, partido que sempre se diz defensor dos “pobres e oprimidos”, consegue, com notável habilidade, desmontar justamente os pilares que sustentam os serviços públicos básicos que os mais pobres utilizam: saúde, educação e segurança — que são, em grande parte, de responsabilidade dos municípios. E tudo isso, claro, sem qualquer diálogo institucional, sem estudos técnicos robustos, e com aquela velha pose de “pai dos pobres” que já não convence nem o mais desatento eleitor da periferia.
Vamos aos fatos. O projeto de ampliação da isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil, com desconto para quem ganha até R$ 7 mil, parece, à primeira vista, um alívio bem-vindo ao bolso do trabalhador. Mas como toda “bondade” do governo Lula-Haddad, existe uma conta pesada, oculta, e que não será paga nem por eles, nem pelos chamados “super-ricos” — será paga por prefeituras e governos estaduais.
A Constituição é clara: o IR retido na fonte dos servidores estaduais e municipais pertence aos próprios entes federativos. Quando o governo federal, por decreto de benevolência eleitoreira, decide ampliar a faixa de isenção, está tirando receita líquida e certa de quem administra o dia a dia da população.
E esse “Robin Hood às avessas” tem dois efeitos devastadores. O primeiro é a perda direta com o IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte) sobre os salários dos servidores públicos locais. O segundo, ainda mais preocupante, é a redução nos repasses constitucionais aos fundos regionais — FPM e FPE — que já sustentam boa parte dos municípios mais pobres do Brasil.
Segundo a Confederação Nacional de Municípios, R$ 11,8 bilhões serão arrancados do caixa das prefeituras por ano. Isso num país em que mais da metade das cidades já fechou o ano no vermelho. E o que faz o governo federal? Promete que “vai compensar”, “vai tributar os ricos”, “vai aumentar o consumo”. Mas não apresenta nenhum estudo técnico sério que comprove essas alegações. Aliás, essa é a nova moda em Brasília: governar com base em fantasias ideológicas e slogans, e não em dados concretos.
O discurso de Haddad e companhia é quase infantil: se o cidadão pagar menos imposto, vai consumir mais, o comércio vai faturar, e os municípios arrecadarão mais ICMS e ISS. Parece piada, mas é essa a tese oficial do Ministério da Fazenda. Como se o pequeno aumento no consumo provocado pela maior isenção fosse compensar a perda direta de bilhões. Uma lógica furada, típica de quem nunca administrou uma prefeitura e vive no mundo das planilhas ideológicas.
Agora, pare e pense: qual é o verdadeiro objetivo por trás dessa “generosidade” repentina do governo federal?
Simples: eleição.
Estamos assistindo a um ensaio de campanha. O governo populista de Lula está desesperado para melhorar a imagem de um presidente que nunca decolou nas pesquisas, que perdeu o apoio do centro político, e que tenta, a qualquer custo, reanimar sua base eleitoral com medidas que soam populares, mas que são fiscais bombas-relógio.
E como sempre, quem paga a conta é o interior do Brasil. Municípios pequenos, que vivem do FPM, serão os primeiros a sentir o baque. Muitos terão que cortar serviços, suspender atendimentos, atrasar salários. É o preço da demagogia disfarçada de justiça social.
E aqui, preciso fazer um comentário pessoal: nunca vi tamanho desprezo pela federação brasileira. Quando a Constituição foi escrita, em 1988, houve um pacto: estados, municípios e União deveriam ter responsabilidades claras e receitas garantidas. O que está acontecendo agora é um atropelo institucional, um desmonte silencioso do pacto federativo, e uma afronta à autonomia dos entes subnacionais.
A falta de diálogo com os prefeitos, denunciada pela Frente Nacional de Prefeitos, revela muito. O governo federal simplesmente age como se os municípios fossem meros departamentos administrativos de Brasília, ignorando que são entes políticos autônomos, com deveres constitucionais e orçamentos próprios. E mais: ignora que são os prefeitos e prefeitas que estão na linha de frente do atendimento à população. É nas prefeituras que se enfrentam os problemas reais do povo — e não nos palácios refrigerados da Esplanada.
Outro ponto gravíssimo: as promessas de compensação são vagas e sem garantias legais. A tal “tributação dos super-ricos” é uma falácia. Primeiro porque a maioria dos “ricos” já paga imposto — e muito. Segundo, porque o governo quer criar novos impostos sobre dividendos, sobre patrimônio, sobre investimentos — medidas que podem gerar fuga de capitais, desestímulo ao empreendedorismo e instabilidade econômica. Ou seja, pode acabar piorando o cenário fiscal geral, ao invés de melhorar.
O texto da Gazeta do Povo ainda traz algo que deveria acender todas as luzes de alerta no Congresso Nacional: a possibilidade de judicialização da proposta. Advogados tributaristas já apontam violação ao pacto federativo, falta de compensação formal e comprometimento da autonomia financeira dos municípios. Tudo isso pode acabar no Supremo Tribunal Federal, o que só aumenta o risco institucional e a insegurança jurídica do país.
E como se não bastasse, o projeto do governo Lula é tão mal formulado que nem mesmo define claramente as faixas de progressividade do IR. O deputado Mendonça Filho alerta que, do jeito que está, a tabela do IR perderá qualquer caráter progressivo, praticamente criando apenas duas faixas de incidência. Em outras palavras: nem justiça tributária, nem eficiência fiscal, nem autonomia federativa. Só caos.
Mas a cereja do bolo vem da deputada federal Bia Kicis, uma voz firme da direita conservadora no Congresso. Ela defende a ampliação da faixa de isenção para R$ 10 mil, mas com compensações claras e garantidas por lei. Isso sim é debate sério. Isso sim é responsabilidade fiscal com justiça social. O que o governo Lula propõe, no entanto, é apenas mais uma jogada populista, que joga luz sobre si mesmo e sombra sobre quem realmente faz o Brasil funcionar: os municípios.
Agora, deixo aqui uma reflexão final, como cidadão e como conservador: até quando vamos tolerar que um governo centralizador e populista continue explorando os símbolos da “solidariedade” e da “justiça social” para desmontar a realidade federativa do Brasil?
Chegamos a um ponto em que a esquerda no poder quer controlar tudo, inclusive os recursos que pertencem às suas bases eleitorais — prefeitos, vereadores, gestores locais. Não há coerência ideológica, não há respeito às instituições, só há sede de poder.
O Brasil precisa urgentemente de um choque de federalismo real. Precisamos reequilibrar a balança, garantir que os recursos públicos fiquem mais perto de onde estão os problemas e as soluções: nas cidades, nos bairros, nos hospitais e escolas municipais. Não adianta vender bondade em Brasília e empobrecer o interior. Isso não é justiça. Isso é abuso de poder.
E o pior de tudo: essa história de “justiça tributária” não passa de retórica para enfiar mais Estado na vida do cidadão e mais poder nas mãos do governo federal. É o velho projeto de poder do PT travestido de benevolência fiscal. Não nos enganemos: Lula não está ajudando o povo — está sabotando a autonomia municipal para transformar prefeitos em pedintes e dependentes de repasses federais arbitrários.
A matéria da Gazeta do Povo expõe, com dados e seriedade, o tamanho do risco. Cabe a nós, como sociedade consciente, denunciar, resistir e propor alternativas que respeitem o pacto federativo, a responsabilidade fiscal e a liberdade dos entes federados. Porque o Brasil real começa na cidade pequena, e não no gabinete do Ministério da Fazenda.
Com informações Gazeta do Povo