
Se alguém ainda tinha dúvida de que a diplomacia brasileira se tornou um instrumento pessoal de proteção para aliados do poder, a notícia publicada pelo colunista Igor Gadelha, no portal Metrópoles, serve como prova incontestável de que os princípios da política externa brasileira foram lançados ao mar — e substituídos por conveniências ideológicas, pessoais e partidárias.
Segundo Gadelha, o presidente Lula ordenou ao Itamaraty que “reaja com firmeza” à ameaça do governo Donald Trump de aplicar sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF. A “ameaça”, diga-se, foi vocalizada pelo secretário de Estado americano, Marco Rubio, durante uma audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, nos Estados Unidos, em que afirmou haver uma “grande possibilidade” de sanções contra Moraes por possíveis violações de direitos e liberdades civis no Brasil. E o que fez o governo brasileiro diante disso? Não apenas vestiu a carapuça, como também se mobilizou de forma imediata para blindar um ministro da Suprema Corte — não um cidadão comum, não um diplomata em risco no exterior, não uma comunidade brasileira perseguida em outro país — mas um magistrado que, na visão da atual administração, precisa ser protegido como se fosse um patrimônio do regime.
É curioso observar que essa “reação com firmeza” surge exatamente no momento em que o governo Lula se vê mais isolado internacionalmente do que gostaria de admitir. Com a ascensão de movimentos conservadores mundo afora, a reconexão do Brasil com governos progressistas parece cada vez mais inviável. Então o Planalto volta-se para dentro, tentando reforçar o castelo de cartas que construiu ao redor do Supremo Tribunal Federal, especialmente das figuras mais controversas como Alexandre de Moraes.
Segundo Gadelha, a ordem foi transmitida diretamente a Moraes por ministros do governo. Um deles teria dito: “Moraes é vitalício. Trump não.” A frase, mais do que arrogante, é emblemática. Ela retrata com precisão o estado mental da elite governista brasileira, que confunde estabilidade institucional com eternização de seus aliados nos postos mais altos da República. Numa democracia de verdade, a vitaliciedade de um ministro do Supremo não deveria ser uma garantia de impunidade, mas sim um lembrete de sua responsabilidade histórica — algo que, claramente, não está em discussão no Palácio do Planalto.
A estratégia adotada pelo Itamaraty, no entanto, é de evitar qualquer pronunciamento público. Por ora, nada de notas oficiais ou declarações à imprensa. Segundo os diplomatas ouvidos pela coluna, “não há, ainda, qualquer medida prática adotada pelo governo norte-americano”. Ora, então por que tamanha movimentação nos bastidores? Por que mobilizar o Estado brasileiro como se o país estivesse sendo ameaçado por uma potência estrangeira, se não há medida prática? Porque, nos bastidores da política, o que está em jogo não é a soberania nacional, mas a blindagem dos interesses do regime lulopetista.
Aliás, onde estavam essas “reações com firmeza” do Itamaraty quando brasileiros foram perseguidos, presos preventivamente sem julgamento, ou tiveram seus direitos cerceados por decisões monocráticas? Onde estavam os diplomatas quando exilados políticos brasileiros pediam apoio em embaixadas mundo afora? A verdade é dura, mas necessária: a diplomacia brasileira só funciona quando o interesse é proteger o sistema. Quando a pauta é a liberdade de expressão, o devido processo legal ou o respeito à divergência política, o Itamaraty some. Finge que não viu. Ou pior: se alinha com o autoritarismo, desde que esteja a serviço da “democracia” sob o controle do establishment.
Nem mesmo os ministros do STF quiseram se manifestar publicamente sobre o caso, segundo Gadelha. Nem Alexandre de Moraes, nem o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, tampouco o decano Gilmar Mendes. O silêncio, nesse caso, é gritante. Revela que o incômodo é real. Não tanto pelo conteúdo da fala de Rubio, mas pelo fato de que, agora, a crítica saiu do campo das redes sociais e da oposição interna e passou a ser vocalizada por autoridades internacionais. Críticas que, até ontem, poderiam ser desqualificadas como “fake news” ou “ataques antidemocráticos”, agora ganham o selo de legitimidade de uma potência mundial.
O que se espera, então, da diplomacia brasileira? Que use o prestígio da nação para proteger a imagem de um juiz? Que silencie sobre violações internas enquanto grita quando o nome de um aliado é mencionado fora do país? Estamos diante de um desvio de finalidade institucional de proporções perigosas. O Itamaraty não existe para defender figuras públicas acusadas de abuso de autoridade. Existe para representar o Brasil e seus cidadãos — todos eles —, independentemente de posição política.
O mais trágico é que a reação coordenada para proteger Alexandre de Moraes ignora completamente o conteúdo das críticas feitas por Marco Rubio. Em vez de refutar os argumentos, apontar eventuais equívocos ou esclarecer os fatos, o governo brasileiro prefere agir nos bastidores, numa espécie de chantagem moral silenciosa contra qualquer um que ouse confrontar os “intocáveis” do sistema. Afinal, quem ousa contrariar um juiz que manda prender deputados, censura jornalistas e silencia redes sociais, será o próximo alvo?
O governo brasileiro está sinalizando, com essa movimentação, que não tolera questionamentos. Que o STF é uma instituição acima de qualquer crítica — mesmo que essa crítica venha de um aliado estratégico como os Estados Unidos. E que qualquer tentativa de responsabilização internacional de autoridades brasileiras por eventuais abusos será tratada como um ataque à soberania nacional. Como se fosse impossível dissociar o Estado brasileiro de seus agentes temporários. Uma falácia conveniente, mas indefensável.
Esse episódio serve como alerta para os brasileiros: o Itamaraty está sendo instrumentalizado não para proteger o Brasil, mas para proteger o sistema. Um sistema que se sustenta na impunidade, na seletividade judicial, e numa democracia de fachada onde apenas um lado pode falar, criticar e julgar. Quando o outro lado ousa reagir, é logo tachado de extremista, golpista ou inimigo da pátria.
É preciso observar com atenção cada passo dessa crise diplomática silenciosa. Porque, em tempos normais, uma fala como a de Marco Rubio seria debatida com maturidade, respondida com dados, e eventualmente usada para fortalecer o diálogo institucional entre democracias. Mas no Brasil de hoje, governado por um presidente que se julga o próprio intérprete da democracia, e com um STF que acumula poderes como se fosse um quarto poder não eleito, a ordem é clara: proteger os seus — a qualquer custo.
O brasileiro médio, que assiste a tudo isso com crescente desconfiança, já percebeu que há algo de muito errado. Que as instituições que deveriam nos proteger viraram trincheiras políticas. Que a Justiça, em vez de ser o equilíbrio entre os poderes, virou uma ferramenta de repressão seletiva. E que a diplomacia, outrora referência no mundo, tornou-se cúmplice de uma narrativa onde a verdade é o que o poder determina.
Alexandre de Moraes pode até ser vitalício, como disse o assessor de Lula. Mas a paciência do povo brasileiro com esse tipo de teatro institucional tem prazo de validade. E ele está se esgotando. Enquanto isso, a pergunta que não quer calar permanece no ar: quem está protegendo quem?
Com informações Metrópoles