
Você acorda numa sexta-feira qualquer e se depara com a manchete: “Moraes vota para derrubar manobra da Câmara pró-Ramagem ao abrir julgamento no STF”. Pronto. Mais um capítulo daquela novela autoritária em que a Constituição é o pano de chão do dia. Você, que paga impostos, respeita a lei, e espera que o Congresso Nacional represente a sua vontade, descobre que seu voto — aquele que você confiou a um parlamentar — pode ser esmagado por um único homem de toga. Isso te parece normal?
Você lê a reportagem do jornalista Cézar Feitoza, da Folha de S.Paulo, e percebe que estamos diante de mais um ato da peça que já virou rotina: o STF ignora a Constituição, atropela a Câmara, desrespeita os representantes do povo e se coloca como o novo legislador da República. E, nesse caso específico, tudo gira em torno de Alexandre de Moraes e o seu voto contra a decisão da Câmara de suspender a ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Sim, você leu certo: o Congresso, de maneira soberana, aprovou — por ampla maioria de 315 votos a 143 — uma resolução para suspender o processo contra Ramagem, mas Moraes achou por bem ignorar isso. E não só isso: ele também fez questão de dizer que a decisão do Legislativo “não paralisa o processo contra os demais réus”, numa clara alusão ao ex-presidente Jair Bolsonaro e outros nomes do campo conservador. A mensagem é clara: quem manda agora são eles, e você que se cale.
E você ainda se pergunta: onde está a democracia nisso tudo?
O próprio voto do ministro admite o que a Constituição diz: que o Congresso pode suspender ações penais contra parlamentares por crimes cometidos após a diplomação. No caso de Ramagem, isso ocorreu em dezembro de 2022. Mas o ministro decide interpretar — ou melhor, reinventar — a Carta Magna para permitir que parte da ação continue. E como se isso não fosse suficiente, ele manda suspender a prescrição dos supostos crimes, criando um limbo jurídico conveniente, onde o processo fica adormecido até que o deputado perca o mandato.
Você consegue perceber o tamanho da manipulação aqui?
O artigo da Folha, apesar de seu viés notoriamente progressista, oferece todas as peças do quebra-cabeça. Basta você juntar: o STF invade uma competência do Legislativo; ignora uma decisão votada democraticamente; e reafirma sua posição como órgão político e não mais como Corte Constitucional. A desculpa? Uma suposta participação de Ramagem numa “trama golpista”. A acusação? Cinco crimes, incluindo “tentativa de abolição do Estado democrático de Direito”.
Mas, vamos ser francos: onde estão as provas? Onde estão os documentos? Onde estão os atos efetivos de tentativa de golpe? Tudo se sustenta num narrativo conveniente, em que ser aliado de Bolsonaro já é, por si só, crime. E agora, até mesmo o Congresso, que tem prerrogativa constitucional clara sobre processos contra parlamentares, passa a ser desautorizado por magistrados não eleitos.
É isso que chamam de Estado Democrático de Direito?
E aí você se lembra da votação na Câmara: União Brasil (50 votos) e MDB (32 votos) — partidos da base do governo Lula — apoiaram a suspensão do processo. E isso diz muito. Diz que nem mesmo os aliados do Planalto compraram a narrativa da PGR e de Moraes. E mesmo assim, o STF faz questão de anular a decisão política legítima, como se fosse o tutor de um Congresso infantilizado.
Não é exagero, é fato: o Brasil vive um regime de exceção velado. Os ministros do Supremo se tornaram oráculos inalcançáveis. Decidem o que é constitucional com base em critérios ideológicos, políticos e, sobretudo, convenientes ao governo de ocasião. Enquanto isso, você assiste à erosão da sua cidadania como quem vê a água escorrer entre os dedos.
E se engana quem pensa que o alvo é só o deputado Ramagem. Hoje é ele, amanhã pode ser qualquer outro parlamentar conservador que tenha a ousadia de contrariar a pauta progressista instalada em Brasília. A lógica é simples: intimidação, judicialização e destruição reputacional. É assim que se tenta calar uma oposição legítima e constitucional.
Não há mais freios. Não há mais contrapesos. O jogo está viciado.
E é justamente por isso que esse episódio precisa te despertar. O que está em jogo não é apenas o destino jurídico de um deputado. É o equilíbrio entre os Poderes. É a integridade da nossa Constituição. É a soberania popular expressa pelo voto. Quando um ministro do STF se dá o direito de invalidar uma decisão da Câmara — sem crime, sem prova e sem respeito ao texto constitucional — ele não está julgando: está governando. E isso é o exato oposto da função de um juiz.
Você já se perguntou onde isso vai parar? Quando ministros do STF começam a determinar quais decisões do Congresso valem ou não, a república entra em colapso. Eles passam a ter o poder de selecionar quem pode ser julgado, quando será julgado, e o que será considerado crime. É um Estado de arbítrio com verniz de legalidade.
A coisa é tão escancarada que até o presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin, precisou “delimitar” a decisão aos crimes cometidos após a diplomação. E ainda assim, Moraes não se deu por satisfeito. Fez questão de alargar o voto, de suspender prescrições, de ignorar a vontade popular expressa por 315 deputados. E você ainda se pergunta por que a confiança nas instituições está em frangalhos?
Não se trata mais de defesa de Ramagem ou de Bolsonaro. Trata-se da preservação do regime democrático e do respeito à letra da Constituição. Se hoje você permite que um ministro do STF rasgue o artigo 53 da Constituição para perseguir um adversário político, amanhã será o seu deputado, o seu senador, o seu direito de opinião que estará no banco dos réus.
Você precisa se posicionar. Precisa entender que não é mais uma questão jurídica, mas civilizacional. Estamos diante de um Tribunal que legisla, investiga, acusa, julga, interpreta e pune — e tudo isso sem qualquer voto, sem qualquer controle, sem qualquer limite. E você? Vai aceitar isso calado?
O Brasil precisa de você. Da sua lucidez. Da sua coragem. Porque, se você não fizer nada, a próxima vítima desse autoritarismo pode ser alguém que pensa exatamente como você. E quando não restar mais ninguém para defender a Constituição, será tarde demais.
Com informações Folha de S.Paulo