
A condenação, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), da cantora e jornalista Gisele Alves Guedes de Moraes a 14 anos de prisão em regime fechado — sem qualquer condenação anterior, sem tornozeleira eletrônica e sem provas concretas — soa como um grito de indignação para os conservadores liberais. É dever de quem acredita na liberdade, no estado de direito e nos princípios da Constituição de 1988 questionar a sanha punitiva que se abateu sobre ela, sobretudo quando se tratam de pessoas comuns, cuja única “culpa” foi estar num momento e num lugar que o aparelho de Estado interpretou como subversivo.
Gisele, aos 38 anos, mãe de sete filhos — cinco deles menores — foi, segundo a acusação, vítima de um holofote midiático deformador: enquadrada em crimes que vão da associação criminosa armada à tentativa de golpe de Estado, incluindo abolição violenta do Estado democrático, depredação, dano a patrimônio tombado, entre outros. Há no mínimo dois pontos que exigem nossa atenção filosófica: a ausência de provas concretas e a desproporcionalidade da pena — mais severa do que a aplicada a homicidas e traficantes, segundo alguns veículos — e a judicialização de uma hipótese de participação de massa, em que Gisele foi enquadrada mais por efeito de ocasião do que por ato individual devidamente comprovado.
Vejamos o que diz o deputado Delegado Zucco, do PL do Rio Grande do Sul, em sua publicação no portal X: “A cantora e jornalista Gisele Alves Guedes de Moraes, de apenas 38 anos, foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal a 14 anos de prisão em regime fechado, mesmo sem qualquer histórico criminal, sem tornozeleira e sem provas concretas de participação nos atos de vandalismo de 8 de janeiro.”.
A cantora e jornalista Gisele Alves Guedes de Moraes, de apenas 38 anos, foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal a 14 anos de prisão em regime fechado, mesmo sem qualquer histórico criminal, sem tornozeleira e sem provas concretas de participação nos atos de vandalismo de 8… pic.twitter.com/VkJ0rQGKyk
— Deputado Delegado Zucco (@DelegadoZucco) June 15, 2025
O deputado traz à tona pontos centrais para todos os cidadãos que acreditam no liberalismo jurídico: a presunção da inocência, o princípio constitucional da individualização da pena (artigo 5º, inciso XLVI, da CF/88), e o dever de provas. Não basta estar em um ato ou espaço, ainda que próximo de cenas que depois foram criminalizadas: é preciso que se comprove, de forma cabal, o dolo, a conduta específica. A mera presença, a filmagem de um protesto ou até mesmo a “incitação presumida” não substituem provas claras e inescapáveis. Essa é a grande linha entre liberdade e arbitrariedade.
O texto constitucional deixou clara, em sua redação, a obrigatoriedade de fundamentação probatória: não se pode punir sem evidência, sem prova material ou testemunhal robusta. E, sobretudo, não se pode condenar com base em suposições, em hipóteses vagas, em elementos que não individualizam. É essencial para a preservação da democracia que a forma legal seja rigorosamente respeitada — inclusive quando o fato tratado envolve crimes de ruptura institucional.
Ao comparar a condenação de Gisele com outros casos já notórios do 8 de janeiro ou mesmo de atos de vandalismo isolado, vemos uma clara excessiva seletividade penal. Há, em muitos dos processos relacionados ao mesmo episódio, condenações menos rígidas, que incluíram penas alternativas, transações penais, até a aplicação de tornozeleira. No caso dela, mesmo alegando fragilidade de provas, ausência de monitoramento e primariedade, o STF manteve 14 anos em cadeia fechada. A isso se soma o fato de que seu estado de saúde — enfisema pulmonar — foi ignorado no cálculo da pena, mesmo sendo apontado pela defesa como impeditivo de encarceramento. E ainda pesa o fato de ela não ter sido, sequer, presa ou submetida a alguma medida cautelar. O que vemos é a aplicação da pena máxima, sem as garantias necessárias.
A guinada autoritária se revela quando a justiça deixa de ser elemento de equilíbrio entre liberdade e ordem, e passa a se transformar em instrumento de punição de disidência ideológica. Convém lembrar que a Constituição protege a liberdade de expressão e manifestação (incisos IV e IX do artigo 5º), garantindo que somente a violência, a incitação clara e a afronta aos direitos fundamentais podem justificar restrições. A simples presença em uma mobilização não é mais crime do que segurar um microfone para denunciar, criticar ou chamar atenção para questões políticas. E mesmo que o ambiente se transforme posteriomente em palco de crimes, é indispensável que se separe quem atuou diretamente daqueles que apenas acompanharam.
Essa condenação, portanto, não é só um recorte jurídico: representa uma afronta ao pacto social fundante da República de 1988. A Constituição, fruto de um extenso processo de redemocratização, inscreveu liberdade, estado de direito, direitos humanos e garantias individuais como pedras angulares do edifício normativo. Elas não são enfeite literário: são limites colocados para que o arbítrio não se instale, mesmo sob a bandeira da defesa da democracia.
A solidariedade — expressão de civilidade e humanidade — deve, diante dos fatos, ser estendida a Gisele. Afinal, o que se está punindo aqui não é um criminoso primário, mas uma mãe trabalhadora, uma profissional que vivia uma vida regular, sem histórico, sem tornozeleira. O que se aplica é uma pena máxima enquanto a defesa tenta derrubar o argumento por falta de provas. É o paradigma invertido: punir antes, e provar depois — quando deveria ser o contrário.
Assim, o conservador liberal, comprometido com ordem, liberdade e justiça, deve levantar a voz. Mostrar que apoiar a punição pela punição equivale a abrir a Porta da tirania judicial. Não podemos concordar com uma justiça que pune sem prova, aplica a pena sem cautela, e ignora a condição humana da ré. Muito menos quando a pena excede o razoável e consagra o fetiche punitivo.
E reforçar, sempre, que a Constituição exige presunção de inocência, individualização da pena, devido processo legal, ampla defesa, e proporcionalidade. Esses não são meros adornos, são escudos contra o abuso de poder e a autoritarização que grita dentro do aparelho estatal. São o cerne do estado de direito.
No Brasil de 1988, a ideia era consolidar o país como república livre, protegendo o cidadão contra o arbítrio. Quando punimos sem causa, atacamos a essência mesma dessa república. Aqui, tem-se um exemplo emblemático: o Estado aplicando sua força máxima sobre alguém sem histórico, sem prova, apenas por uma condição momentânea — estar naquele dia, junto a multidão. Em nome da democracia, punimos a liberdade.
Não vamos, conservadores liberais, naturalizar esse tipo de condenação. Vamos nos insurgir. Exigir que a defesa recorra, que a justiça reveja essa dosimetria desproporcional. Que o STF corrija o erro, reconheça a falta de provas e reverta essa cascata punitiva injusta. A liberdade, a legalidade e a dignidade da pessoa humana não poderão jamais ser sacrificadas em nome do espetáculo político.
É hora de chamar a atenção, de mobilizar, de mostrar que, sob a bandeira conservadora, respeitamos exatamente aquilo que a Constituição nos oferece — e que, se frágil — deve ser defendido com unhas e dentes. A solidariedade a Gisele é o que resta enquanto não prevalece o direito à justiça de fato.
Vamos permanecer firmes, coerentes e vigilantes. E, acima de tudo, defender que somente com liberdade e legalidade consolidaremos uma república verdadeiramente livre, e não uma ditadura dos tribunais.
Este é o apelo do conservador liberal que olha para a Carta Magna de 1988 não apenas como um texto, mas como um escudo contra o perigo da justiça que pune antes e pergunta depois. Em solidariedade a Gisele Alves Guedes de Moraes, pedimos que o estado volte a respeitar seus limites e que a liberdade recupere seu espaço — dentro da lei, e pela lei.