
Você que acorda todo dia com o despertador berrando, encara o transporte público lotado, paga impostos até para respirar e, no final do mês, ainda precisa parcelar o boleto da fatura de energia: saiba que há um seleto grupo de brasileiros que vive em um universo paralelo, onde o céu é feito de gratificações, os rios correm com indenizações, e o pão de cada dia é servido com uma cobertura generosa de penduricalhos. Bem-vindo ao Ministério Público. Ou, como gosto de chamar, o Império do Impossível Constitucional.
E não, você não leu errado: R$ 800 mil em um único mês para um promotor. O valor de uma cobertura duplex nos Jardins, embolsado como se fosse um troco do pão. A notícia, que parece ter saído de um roteiro de sátira política, é absolutamente real — foi revelada pelo portal Metrópoles, aquele mesmo que costuma se indignar seletivamente com privilégios, desde que não toquem nos seus amigos da toga ou da caneta dourada.
Mas calma, leitor. Não se irrite. Afinal, você está apenas bancando com seu suor, lágrimas e CPF regularizado o que é chamado carinhosamente de “verba indenizatória”. O nome é chique, né? Soa quase como um benefício terapêutico, um reiki financeiro para o servidor cansado. Só que, ao contrário do seu décimo terceiro, que você torce para cobrir o IPVA, essas “indenizações” podem somar centenas de milhares de reais em um mês.
Sim, você entendeu bem: entre 2023 e 2024, promotores de justiça receberam 687 pagamentos acima de R$ 100 mil em um único mês. E o mais chocante? Isso foi considerado normal. Como quem diz “hoje comi dois pedaços de pizza ao invés de um”.
Quer outro exemplo? Vamos viajar ao maravilhoso estado do Amapá, onde a Justiça parece não ser apenas cega, mas também surda, muda e milionária. Os procuradores Judith Telles e Jair Quintas embolsaram R$ 877 mil e R$ 501 mil, respectivamente, no momento da aposentadoria. Sim, aposentadoria. Aquela fase da vida em que você, brasileiro médio, torce para ter uma casinha no interior e um plano de saúde que cubra mais do que o antialérgico.
Ah, mas dizem que esses valores são “atrasados reconhecidos no momento da aposentadoria”. Claro, porque aparentemente o tempo também é seletivo: ele atrasa só para os bonificados da elite do funcionalismo. Tente você atrasar o pagamento de uma guia do INSS e veja o que acontece. Spoiler: não tem bônus de meio milhão.
Agora, vejamos o caso do Ministério Público do Maranhão. Uma verdadeira Disneylândia dos supersalários. Foram 315 pagamentos acima de R$ 100 mil em um único mês. Teve promotora que bateu os R$ 240 mil em maio de 2024, mês das mães, diga-se de passagem. Um presente generoso, patrocinado por todos nós, inclusive aquele motorista de aplicativo que fez 12 corridas no dia só pra fechar o diesel.
E como esquecer o glorioso dezembro no Ceará, aquele mês mágico em que 204 membros do MP resolveram celebrar o Natal com salários acima de R$ 100 mil. Porque, convenhamos, Papai Noel nunca falha quando o bom velhinho veste toga.
Agora, se você acha que o teto constitucional de R$ 46 mil, o mesmo dos ministros do STF, é um limite real, sinto dizer: esse teto é tão eficaz quanto a tarja de “proibido ultrapassar” na faixa da esquerda do trânsito brasileiro. De acordo com o economista Bruno Carazza, em seu livro “O país dos privilégios”, nada menos que 91,5% dos membros do MP ganharam acima do teto em 2023. E nos MPs do Maranhão e do Amapá, o número mágico foi de 100%. Isso mesmo: todos os membros ganharam acima daquilo que a Constituição estabelece.
Mas aí vem a cereja do bolo: os penduricalhos. Um nome carinhoso para aquilo que é, na prática, o equivalente a um vale-qualquer-coisa que transforma salários comuns em fortunas mensais. Como bem expôs o Metrópoles, esses mimos alcançaram a modesta quantia de R$ 5,8 bilhões em 2024 — um aumento de 17% em relação a 2023. É o tipo de inflação que não preocupa o Banco Central, mas deveria preocupar a sua carteira.
E, claro, a desculpa é sempre a mesma: “legal, mas imoral”. Afinal, todas essas cifras passaram por dentro do labirinto jurídico cuidadosamente construído por quem, veja só, também faz parte do mesmo sistema que se beneficia dessas distorções. É como deixar a raposa fazer as regras do galinheiro.
Agora, veja bem, não se trata de demonizar o servidor público. Mas quando parte da elite do funcionalismo vive uma realidade financeira que faria um CEO suíço corar, enquanto milhões de brasileiros sobrevivem com um salário mínimo congelado no tempo, algo está podre — e não é na Dinamarca, é na República Federativa do Brasil.
Mas talvez o mais revoltante nem sejam os valores em si. O que mais indigna é o silêncio institucionalizado. Nenhuma operação midiática da Polícia Federal. Nenhuma CPI da moralidade. Nenhuma indignação performática no Jornal Nacional. E por que haveria? Eles estão todos no mesmo barco. Um iate, aliás.
A imprensa, como sempre, faz seu papel seletivo: denuncia, mas sem cutucar demais. O Metrópoles, por exemplo, expõe os valores, mas evita conclusões que possam incomodar a “casta togada”. Faltou aquele parágrafo final dizendo: “e é por isso que o Brasil sangra”. Mas talvez isso estivesse… acima do teto editorial.
E aí, leitor conservador, resta a pergunta: até quando? Até quando vamos aceitar que uma pequena elite funcione como uma aristocracia moderna, amparada por um Estado que cobra caro do povo e entrega pouco em troca? Até quando vamos permitir que a Constituição seja interpretada como um cardápio flexível, onde cada um escolhe o artigo que mais convém?
O mais interessante — ou trágico, dependendo do seu nível de patriotismo — é que quem ousa criticar essa estrutura é logo acusado de querer “enfraquecer as instituições”. Como se o real enfraquecimento não estivesse justamente na perda total de credibilidade moral dessas instituições.
De fato, o que temos no Brasil não é uma república. É uma monarquia invertida, onde os súditos bancam reis que se autoconcedem bônus, privilégios e férias de três meses. E o mais irônico? Esses mesmos senhores e senhoras que acumulam salários estelares são aqueles que, dia após dia, posam de guardiões da moralidade, de fiscais da República, de paladinos da justiça.
Justiça? Não, amigo. Isso é feudalismo moderno com Wi-Fi e Diário Oficial da União.
Você, que paga impostos, que se desespera com o preço da gasolina, que chora ao ver o desconto do INSS no holerite, precisa saber: o sistema não foi feito para você. Foi feito para eles. E enquanto você não levantar a voz — nem que seja na urna, no debate ou na rua —, esse sistema continuará funcionando como sempre: sugando tudo de você, para alimentar os donos do poder.
E quando eles disserem que estão apenas “cumprindo a lei”, pergunte-se: quem faz a lei? Quem interpreta? Quem julga? A resposta é sempre a mesma: eles mesmos.
Então, da próxima vez que ouvir a palavra “republicanismo”, ria. Ria alto. Ria como quem já entendeu que, no Brasil, a toga virou capa de invisibilidade contra a moral e a ética. Mas não ria por muito tempo. Você ainda tem um boleto vencendo amanhã.
Com informações Metrópoles