
É curioso como, em determinados momentos, o teatro político nacional parece entrar em sintonia com as temporadas de premiações do cinema. O palco? Brasília. O roteiro? Sempre permeado por promessas oportunistas, malabarismos retóricos e uma plateia de jornalistas aplaudindo com entusiasmo. E como protagonista do capítulo mais recente, temos Simone Tebet, ministra do Planejamento, cuja fala durante a celebração dos 60 anos do Banco Central ganhou as manchetes da Agência Brasil.
A ministra, com seu estilo ensaiado de ponderação técnica e sensatez moderada, declarou com otimismo quase comovente que a queda no preço dos alimentos nos próximos 60 dias “quem sabe” poderá abrir caminho para a redução dos juros no segundo semestre. Quem sabe. Dois termos que, para quem conhece os bastidores do poder, soam como a velha fórmula do “joga pra frente e torce pra colar”. Claro, o Banco Central é autônomo — essa autonomia tão defendida por alguns e tão relativizada por outros, dependendo de quem esteja no comando.
Não bastasse a fantasia nacional, Tebet ainda fez questão de lançar uma cartada internacional: as tarifas dos Estados Unidos podem atrapalhar os esforços brasileiros para conter a inflação. Ah, claro. A culpa é do Trump. Como é que não pensamos nisso antes?
Vamos aos fatos, com aquele olhar que só os conservadores de verdade conseguem manter firme em meio ao nevoeiro ideológico.
A inflação brasileira, como bem destacou o Relatório de Inflação do próprio BC, continua resiliente, principalmente nos itens alimentares. E isso não é obra do acaso ou de forças ocultas do mercado internacional. É reflexo direto de um ambiente doméstico de insegurança fiscal, gastos desenfreados, renúncias fiscais sem controle e de um governo que, apesar dos discursos moderados, tem se comportado como um rolo compressor ideológico, sobretudo na tentativa de reinventar a roda do intervencionismo econômico.
Simone Tebet, com sua pose de tecnocrata equilibrada, tenta construir uma narrativa de que há racionalidade no governo atual. Mas ela mesma admitiu que é necessário rever renúncias fiscais que somam cerca de R$ 600 bilhões. Alguém avise à ministra que essas renúncias, muitas vezes, são o que mantém setores produtivos respirando num país sufocado por burocracia, impostos e instabilidade jurídica. Ou será que a ideia é apertar ainda mais o cerco sobre quem produz, para manter o Estado gordo e ineficiente?
Enquanto isso, figuras como Fernando Haddad, sempre presente e disposto a doutrinar o público com seus discursos “institucionais”, reforçam o mantra de que a autonomia do Banco Central e o diálogo democrático são os caminhos para “vencer a má polarização”. Má polarização, para quem não entendeu, é o novo nome dado à resistência legítima de milhões de brasileiros à agenda progressista e ao autoritarismo disfarçado de inclusão social. Ou seja, quando o povo discorda, o problema é dele — e a solução é dar mais poder ao Estado.
Mas Haddad, ao menos, foi coerente com a narrativa do governo: o vilão é a polarização, não a inflação. O problema são os polos, e não os desajustes fiscais, as promessas irrealistas ou o aparelhamento do Estado.
E quando pensamos que o espetáculo havia acabado, surge o ato solene: os presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, surgem como defensores da autonomia do Banco Central, exaltando a modernização dos marcos legais e a previsibilidade institucional. Lindas palavras. Pena que, na prática, essa autonomia só é invocada quando convém — especialmente para blindar decisões impopulares ou para justificar a inércia frente à crise.
No entanto, talvez o ponto mais revelador desse evento esteja na ausência de qualquer autocrítica profunda. Ninguém mencionou, por exemplo, o impacto desastroso das políticas de desestímulo à produção agrícola promovidas por setores do governo que ainda acreditam no mito do agro vilão. Tampouco se falou sobre a insegurança jurídica que atinge o agronegócio brasileiro — um dos poucos motores que ainda sustentam a economia nacional.
Curioso, não?
A verdade é que o discurso de Simone Tebet, por mais técnico que tente parecer, é pura engenharia narrativa. Ele serve para amortecer críticas, transmitir falsa estabilidade e preparar o terreno para a campanha eleitoral disfarçada que o governo já vem implementando nos bastidores. A promessa de queda nos juros, baseada em um suposto alívio no preço dos alimentos, é uma ilusão. Não há base sólida para essa projeção — apenas esperança política, o tipo de esperança que, como sabemos, costuma custar caro aos pagadores de impostos.
Enquanto isso, o povo brasileiro segue enfrentando preços altos no mercado, taxas de juros escorchantes no crédito pessoal e um cenário de incerteza crescente. Mas o que importa, ao que parece, é manter a narrativa. Mostrar que há comando, que há controle, que há inteligência estratégica. Mas quem vive no Brasil real sabe: há, no máximo, um governo em modo de sobrevivência, agarrado a retóricas e encenações para ganhar tempo.
E quando nos voltamos para o cenário internacional, a desculpa da vez são as tarifas comerciais dos Estados Unidos. Sério? O Brasil, país com centenas de acordos bilaterais e uma vasta diversificação comercial — graças ao próprio agro que o atual governo vive hostilizando —, agora se vê à mercê da política tarifária americana? É difícil não rir. E é mais difícil ainda não lamentar.
A verdade é uma só: o discurso de Tebet, como bem noticiou a Agência Brasil, reflete o desespero elegante de um governo que ainda busca construir uma narrativa de competência econômica. Mas até aqui, o que temos visto é insegurança fiscal, aumento da dívida pública, inflação resistente e um descompasso brutal entre a realidade e o discurso.
Sim, o Banco Central é autônomo. E graças a Deus por isso. Porque se dependêssemos das decisões tomadas no calor das pressões políticas do Executivo, o Brasil já estaria mergulhado em uma espiral inflacionária como nos anos 80. Autonomia não significa, no entanto, imunidade à incompetência macroeconômica que vem sendo aplicada no restante do governo.
A fala de Haddad, sobre construir um “projeto de país”, é o tipo de frase que você ouve em comícios estudantis. E o mais preocupante: eles realmente acreditam que estão fazendo isso. Só esqueceram de combinar com a sociedade que trabalha, que paga impostos, que vê seus negócios minguarem diante do peso da máquina pública e da instabilidade institucional constante.
O lançamento do selo comemorativo dos 60 anos do BC, aliás, simboliza bem o que vivemos: enquanto os políticos celebram efemérides e tiram selfies com figurões do passado, o povo assiste de longe, cada vez mais cético, cada vez mais cansado, cada vez mais consciente de que o Brasil real não é aquele das solenidades, mas o do supermercado caro, do crédito negado, da carga tributária insuportável e da insegurança jurídica constante.
E aqui vai o ponto mais importante: se quisermos de fato mudar esse cenário, precisamos de coragem para dizer o óbvio. O modelo econômico atual está condenado ao fracasso se continuar apostando na centralização estatal, no populismo fiscal e na dependência de indicadores externos para justificar a própria paralisia.
Enquanto o governo continuar tratando a economia como uma peça de marketing e as decisões técnicas como instrumentos ideológicos, o Brasil seguirá atolado na mesma areia movediça que já engoliu tantas promessas e tantos discursos ensaiados. A fala de Tebet é só mais um capítulo de um enredo previsível: promessas vagas, culpados externos, autocomemoração e zero responsabilidade concreta.
É preciso, portanto, que a sociedade conservadora mantenha os olhos bem abertos e o senso crítico afiado. Porque por trás dos sorrisos, dos selos comemorativos e dos discursos bonitos, o que existe é um projeto de poder que não se importa com a estabilidade econômica, não respeita a meritocracia e não vê problema em usar a esperança como escudo para sua própria incompetência.
E você, caro leitor do Conservadores Online, não se deixe enganar. Esse script já foi encenado antes. E sabemos exatamente como termina.
Com informações Agência Brasil